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Morte no CT: Advogado diz que pai sente falta de carinho do Flamengo

Mauro Cezar Pereira

05/02/2020 04h00

O goleiro Bernardo Pisetta e atacante Vítor Isaías (no destaque), cuja família já fez acordo – Reprodução

No próximo dia 8, sábado, o incêndio no Centro de Treinamentos Ninho do Urubu que matou dez adolescentes das divisões de base do futebol do Flamengo completará um ano. O advogado Thiago Divanenko representa as famílias do atacante Vítor Isaías, cuja avó (Josete Itavalda Adão, a Dona Jô) fez acordo com o clube, e do goleiro Bernardo Pisetta, ainda sem consenso com os representantes rubro-negros.

Ele concedeu a entrevista a seguir ao blog, que nesta semana traz posts com a palavra de mais personagens que participam do imbróglio na justiça.

Por que uma família que você representa fez o acordo e a outra ainda não?

As negociações com a família do Vítor evoluíram de forma mais rápida, e isso tudo depende de vários fatores, inclusive o nível de estresse e de revolta, que é preponderante.

Acho um tanto absurdo falar em "jurisprudência", afinal, não se tem notícia de caso parecidos (adolescentes mortos em incêndio dentro de CT de clube de futebol). Mas na área jurídica é assim, casos anteriores nas quais pessoas perderem a vida em acidentes etc são utilizados como referência, certo?

Entendo os comentários que falam de jurisprudência, porém, dada a especificidade do caso, não vejo no horizonte jurídico, ainda que já haja casos de indenização por morte bem graves, nada que se pareça com o que aconteceu no Ninho do Urubu. Justificar a média de indenizações é "industrializar" decisão judicial. Veja decisão recente sobre Brumadinho, que condenou o pagamento de R$ 11 milhões a uma família. Não se alinha com a jurisprudência, eles dizem, mas se alinha com o caso concreto, que é como um processo deve ser julgado.

Diante desse cenário, o que o Flamengo oferece é igual, maior ou menor do que valores normalmente pagos pelas empresas e instituições onde ocorreram tragédias que geram perda de vidas?

Eu não considero a média jurisprudencial a ser levada em consideração, especialmente para fins de composição amigável.

Você fala em "composição amigável". A prioridade é um acordo? Por que as partes não mais se reuniram? Quando foi o último encontro?

A prioridade sempre foi a composição. Pelo "peso" emocional de um longo processo, mas nunca houve encontro com o clube, além de uma audiência no TJ (Tribunal de Justiça) do Rio, em fevereiro. Depois, apenas com o escritório contratado. Mais recentemente tenho falado com o advogado do escritório, doutor Márcio, por telefone, com alguma frequência, sem evolução. Do clube, doutor Bernardo participou daquele primeiro encontro. Depois não mais. Até já deixou o jurídico do Flamengo.

O advogado Thiago Divanenko – Foto: Divulgação

Por que não ocorrem conversas para que se tente chegar a um acordo?

Como disse, sempre virtualmente. Pessoalmente para fechar o acordo da família do Vítor. Mas o clube só recebe a família se o escritório contratado passar o acordo padrão proposto. Só para assinar. Isso é algo interessante: na audiência no Rio de Janeiro, o clube fez um pedido: discutir individualmente para não ser injusto com ninguém. Agora há um teto, e todos têm que receber isso, para não ser injusto com ninguém. O isolamemto dos casos era para diminuir a força do conjunto de famílias

O que a família do Bernardo pede é quantas vezes mais do que aquilo que o clube oferece?

Não muito mais

Quanto mais, o dobro? O triplo?

Nem o dobro, nem o triplo. Por isso até o "pouco mais". Quando tudo começou, a diferença poderia ser considerada grande. Só a família cedeu. Hoje, nos limites de cada um, a diferença é pequena. Não falo mais claramente sobre valores para não ser prejudicial à família. Coisas do tipo sempre envolvem uma confidencialidade que eu reputo benéfica até para a família de uma cidade pequena de Santa Catarina.

O que o Flamengo fez e faz pelos familiares desde então, de ajuda financeira a apoio psicológico, deslocamento dos familiares até o Rio de Janeiro etc? Houve algo que reivindicaram e não atenderam?

Há que se reconhecer o que o Flamengo tem feito, da mesma forma. Não há reivindicação neste sentido que não tenha sido atendida, ao menos, às famílias que eu represento. Sim, as famílias têm tido atendimento psicológico nas suas cidades de origem, o clube tem honrado com o compromisso financeiro mensal, bem como nas oportunidades em que foi necessário deslocamento ao Rio de Janeiro, se responsabilizou por viagem e hospedagem. Além disso, toda a questão de transporte e sepultamento, foi suportada pelo clube. Obrigações morais, mas que foram cumpridas. Acho justo reconhecer os pontos em que o clube tem sido presente

Além do dinheiro da indenização, o que mais a família reivindica?

Algo que o Darlei, pai do Bernardo, sempre falou, desde o princípio, é que ele sentia falta de "carinho" do clube. Para além do dinheiro, uma palavra, contatos dos dirigentes. O aspecto emocional é pesado nesses casos, e qualquer coisa pode fazer diferença.

Como você e a família acompanham a investigação que pode apontar pessoas responsáveis pelo incêndio?

Acompanhamos com atenção, cientes de que há responsáveis e culpados. O clima com o clube jamais foi belicoso. Darlei e Dona Jô não tinham mais o que perder. O principal bem é irrecuperável. Apontar culpados e responsáveis é um trabalho da polícia e do MP (Ministério Público) em quem se confia na plenitude.

Qual a importância de se chegar aos responsáveis? E de serem punidos?

Há o caráter pedagógico na punição. Sabemos que durante um mês houve uma preocupação de todos sobre as condições em que atletas de base vivem no Brasil. E hoje? Houve alteração na rigidez da certificação de clube formador? CT's seguem interditados? Se houve no Flamengo, que dirá em outros clubes com menor potencial de investimento? Algo precisa ser feito, e o exemplo, infelizmente, tem que vir do caso prático.

Por que se fala tanto no dinheiro (obviamente fundamental) das indenizações e não se comenta tanto sobre a investigação, não se clama por justiça?

A grande maioria das pessoas acha que tudo é dinheiro. Do lado de cá, nunca foi, embora a questão esteja sendo discutida. Ouvi de um pai, passando a mão na foto do filho, que deixou um jovem saudável realizando seu sonho e foi buscá-lo sem vida. Não há dinheiro que pague.

Não teme que o caso se arraste na justiça, e ao final seja determinando o pagamento de um valor até menor do que o oferecido pelo clube?

Não é temor, mas sempre alertei aos familiares sobre essa possibilidade, não pelo resultado final, mas pelo alongamento de um sofrimento. Ficar discutindo por anos só faria lembrar do que aconteceu de ruim. É tempo de pensar só no que ficou de bom. Defendo a composição até o limite extremo.

Qual o percentual que a família pagará por seus honorários ao final?

Abaixo da prática do mercado, nem tínhamos assinado contrato até pouco tempo atrás. A relação começou com a empresa que cuidava da carreira do Vítor, e conheci Darlei no Rio, sem ninguém para acompanhá-lo. Desde então estamos falando quase que diariamente.

Qual critério para chegar ao valor pedido como indenização?

Se o Bernardo ou o Vítor resolvessem não voltar em janeiro, indo para outro clube, por exemplo, o Flamengo teria direito a cobrar do atleta e do clube, um montante de 200 vezes os gastos com o atleta, segundo a Lei Pelé. Pega ali R$ 5.000 por mês, Bernardo ficou lá 8 meses; 40.000 vezes 200 igual a R$ 8 milhões. Se isso tivesse acontecido, o Flamengo brigaria por esses R$ 8 milhões? Compare a gravidade dos fatos. Em tempo, o valor pretendido pela família nem se aproxima disso, mas é um critério que até hoje pouco foi discutido, porque muitos desconhecem o universo do futebol.

O que achou dessas explicações dadas pelos dirigentes no vídeo levado ao ar sábado pelas redes sociais e canal do Flamengo no YouTube?

De verdade? Mais do mesmo! Sempre que se tenta justificar o injustificável, dá nisso. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o clube disse textualmente: "Queremos negociar com cada família individualmente". Agora, diz: "Estabelecemos um valor padrão. Logo, não há negociação individualizada!" Contato do clube, que meu cliente sempre reclama, não é o contato para negociar. Isso é com advogados das partes. O contato que falta é o contato humanitário! Porém, acho que é difícil haver essa compreensão, sempre que se fala "advogado", se fala com um tom que soa como uma barreira. Enfim, talvez eles queiram ter alguma razão. Partindo do princípio que internamente não há investigação em curso sobre o ocorrido, isso diz muito sobre tudo!

No pronunciamento de sábado passado os dirigentes do Flamengo disseram que não podem procurar os familiares sem, antes, falar com os advogados. Dirigentes do clube o procuraram alguma vez pedindo autorização para conversar com os familiares, confortá-los?

Jamais me foi feito pedido desta natureza. Muito pelo contrário. Ao advogado contratado pelo clube, eu sugeri que o clube fizesse, no entanto, sem qualquer contato posterior. Salvo melhor juízo, alem da psicóloga, o doutor Dunshee (vice presidente do Flamengo) fez contato com Darlei, pai do Bernardo, depois de provocado por ele, apenas justificando um episódio específico. Tudo me parece errado quando um advogado vai ao Esporte Espetacular (programa da TV Globo) e diz que são duas premissas básicas: se jogadores seriam profissionais e dentro disso, quais deles teriam uma carreira de sucesso e por quanto tempo.

Leia também:
Flamengo não concorda em pagar quantias exageradas", diz vice jurídico do clube

MP espera ter, neste mês, inquérito que pode apontar culpados

Próximo entrevistado da série: Arley Campos, advogado que representa as famílias do goleiro Christian Esmério, que morreu no incêndio, e do sobrevivente Jean Salles, que salvou três pessoas e se tornou herói em meio à tragédia.

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.


Mauro Cezar Pereira