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Mauro Cezar Pereira

Morte no CT: "Flamengo não concorda em pagar quantias exageradas", diz vice

Mauro Cezar Pereira

03/02/2020 04h00

Sábado, dia 8 de fevereiro, o incêndio que matou dez adolescentes que jogavam pelas divisões de base do Flamengo completará um ano. A partir de hoje, o blog publicará uma série de entrevistas com dirigente do clube, Ministério Público do Rio de Janeiro e advogados dos familiares dos meninos que não fizeram acordo. Rodrigo Dunshee de Abranches é o vice-presidente geral e jurídico rubro-negro. Ele concedeu a entrevista a seguir ao blog.

Rodrigo Dunshee de Abranches, vice do Flamengo – Reprodução

O Flamengo paga mensalmente às famílias que ainda não fizeram acordo? Quanto?

O Flamengo dava uma ajuda de custo aos rapazes falecidos, enquanto atletas em formação, de R$ 800 em média, além de alimentação, saúde e educação integral. Após o acidente, espontaneamente, passou a dar R$ 5 mil para cada família, o que correspondente a pouco mais de seis vezes o que eles recebiam por mês, para que elas tivessem tranquilidade para negociar um acordo sem a necessidade emergencial de caixa. Hoje, por conta de uma decisão judicial, o Flamengo paga R$ 10 mil para cada família e não mais os R$ 5 mil.

Por que o clube recorreu quando a justiça determinou R$ 10 mil mensais?

Na ocasião conversamos muito com o presidente Landim. A decisão, a nosso ver contém inúmeros erros técnicos. Como me disse o presidente: não é uma questão de valor, é uma questão de princípio. A começar pela intervenção do Ministério Público, que não representa as famílias, ao invés disso, todas as famílias têm advogado e os seus direitos são individuais, assim a atuação do MP é uma atuação indevida. Além do mais, não foi pedida pensão mensal para as famílias, mas uma penhora de R$ 57 milhões. A decisão deu uma coisa que não foi pedida e isso tecnicamente é errado. O julgador não pode dar algo que não foi pedido.
São inúmeras questões técnicas que não caberia explicar aqui. Contudo, no que tange aos valores, o fato é que as quantias disponibilizadas nos acordos feitos pelo Flamengo se aplicados, gerariam renda maior que essa. Não é uma questão de mesquinharia, mas a ideia é que não sejam aceitos pedidos exagerados e fora da realidade. Os acordos já feitos são altos e o Flamengo está pronto a fazê-los com quem mais os quiser. Agora, dizer que o Flamengo não está pagando indenizações é uma grande mentira, uma picuinha de nossos adversários. O Flamengo oferece valores altos, muito acima das indenizações dadas pela justiça, mas não concorda em pagar quantias exageradas.

Se o Flamengo discorda do que foi exposto na ocasião, por que não pagar os R$ 10 mil e questionar especificamente aquilo com o qual não concorda?

A atuação judicial do Flamengo não será pautada pelo que outros acham que deva ser o correto. O Flamengo fez uma proposta altíssima de acordo para as famílias, muito acima do que os tribunais do Brasil concedem em seus julgamentos. Três famílias e meia aceitaram. O Flamengo chegou a esses valores de acordo depois de muita conversa e negociação. Não podemos pagar mais por acordo às demais famílias. A trágica situação é a mesma e não podemos pagar diferente. Quem julgar que pode ganhar mais na justiça deve seguir a sua opção.

A diferença entre o que o Flamengo oferece e as seis famílias e meia é grande? Quantas vezes mais?

Temos cláusula de confidencialidade nos acordos e não posso revelar esses detalhes, mas repito que o valor é bem alto e muito acima do que os nossos tribunais concedem. Importante considerar que os jovens ganhavam muito pouco e estatisticamente tinham chance muito pequena de receber um bom salário como jogadores, porque todos sabem que as divisões de base são uma grande peneira. Porém, estamos ignorando essas questões técnicas e estatísticas e fazendo uma proposta que não considera isso, uma proposta que leva em conta o carinho por nossos jovens atletas. A grande maioria não seguiria a carreira, mas estavam sendo preparados para vida.

Como a diretoria se sente não tendo chegado aos acordos com mais da metade das famílias em meio a tanto faturamento do clube e investimentos no futebol?

Essa pergunta é muito relativa e olha a questão pelo lado do "copo vazio". Nós olhamos o outro lado. Não conhecemos na história dos acidentes com morte, nenhum caso onde a empresa se dá prontamente por responsável, mas sem que haja culpa evidente. Na nossa ótica foi um incêndio derivado de um curto circuito. Não conhecemos caso onde essa empresa indenize todos os sobreviventes e 35% das vítimas fatais em menos de sete meses, que pague seis vezes a remuneração mensal das vítimas sem ordem judicial etc. Vemos a questão sobre a outra ótica. Não posso falar em nome de toda diretoria em relação a isso, mas pessoalmente acho que a questão humana não deve se julgar com base em quantidade de reais. Hoje, a rigor, no julgamento de parte da mídia o que separa o dirigente humano do desumano são apenas números. Acho que o que deveria ser visto é que em menos de sete meses pagamos quatro famílias, que sempre pagamos um valor mensal seis vezes acima do que cada jovem desses recebia, que prestamos auxílio funeral, psicológico e etc. Sinto muito pela dor dessas famílias. É uma grande tristeza.

O Flamengo acompanha a investigação que eventualmente pode apontar o(s) responsável(is) pelo incêndio?

Sim, acompanhamos.

A mãe do menino Rykelmo, em entrevista ao canal BandSports, disse que nada recebe do Flamengo. E quem fez meio acordo foi o pai do garoto. que não cuidava dele, segundo a mãe (são separados, ela alega que tinha a guarda, inclusive) Poderia explicar essa situação?

A mãe desse rapaz recebeu três meses os R$ 5 mil, porém ela entrou na justiça pedindo absurdos R$ 7 milhões de reais só para ela. Ou seja, na verdade, se estivesse junto com o esposo dela seriam R$ 14 milhões. O pai do Rikelmo, contudo, já fez acordo com o Flamengo. O presidente não cederá a esse tipo de postulação exagerada. Bom, ela fez a opção dela de litigar com o Flamengo. Atualmente, contudo, desde o começo de dezembro voltou a receber R$ 5 mil por mês, por conta da decisão judicial que mandou pagar R$ 10 mil. Como já acertamos com o pai, ela recebe a metade. O pai do Rikelmo é pai dele e detinha pátrio poder sobre seu filho. Ela não pode retirar dele esse direito (de sentir a perda de seu filho), que é pessoal dele. Não cabe ao Flamengo comentar detalhes dessa questão, mas até onde sabemos era um pai presente e que, inclusive, pagava pensão alimentícia.

O que o Flamengo fez e faz pelas famílias?

O Flamengo imediatamente após o acidente prestou toda a assistência necessária aos pais dos atletas que chegaram ao local, tanto em relação à comunicação quanto ao apoio psicológico. As famílias foram hospedadas no hotel Ramada até que todo o trâmite de identificação dos corpos fosse finalizado. Uma equipe multidisciplinar esteve presente todo o tempo, médicos, psicólogos, RH, tanto no hotel quanto no IML. Todas as despesas com viagem; hospedagem; alimentação; cuidados médicos e hospitalar; além do funeral, foram custeadas pelo Flamengo.
Os funcionários do clube acompanharam os sobreviventes até suas residências, assim como a todos os funerais. Foram entregues kits enxoval da Adidas e do Flamengo com roupas e sapatos para os sobreviventes, assim como um aparelho de celular doado pela TIM e mais R$ 2 mil, para que eles pudessem comprar itens pessoais. O Flamengo custeia até hoje assistência psiquiátrica e psicológica para os familiares dos atletas falecidos, escolhidos por eles próprios em todos os locais no país. Os atletas sobreviventes que retornaram as atividades no clube estão em atendimento psicológico feito por profissionais especializados (Clínica Laços) no CT, assim como os funcionários.
O Flamengo fez acordo com todos os sobreviventes, inclusive os três atletas que se machucaram. Em relação a esses três atletas que foram hospitalizados, o Departamento Médico do clube, por meio de seus médicos especializados, fez visitas diárias até as respectivas altas, bem como realizou o devido acompanhamento médico durante todo o ano. Especificamente em relação ao Jonathas Ventura, vale registrar que ele ficou internado inicialmente no Hospital Pedro II, depois foi para o Hospital Vitória e fez todos os procedimentos cirúrgicos necessários, custeados pelo Flamengo
Assim que teve alta o Flamengo custeou todo o seu acompanhamento psicológico (até que pediu para suspender) e, ainda, todo o seu atendimento fisioterápico, além do acompanhamento com dermatologista especializado. No CT ele tem acompanhamento com os médicos do clube e outros especialistas fora do clube. A mãe veio para o Rio e o clube custeia o aluguel. Atualmente o citado atleta está treinando na academia e provavelmente começará os treinamentos no campo no próximo mês, conforme previsão do Departamento médico da base. Nós consideramos muito o Jonathas. Importante informar que foram pagos aos familiares dos atletas falecidos os valores referentes ao seguro de vida de cada um. Em resumo é isso, mas não somente. Estamos sempre abertos a entender as necessidades deles.

Quanto o Flamengo já desembolsou em assistência às famílias?

Esse assunto é confidencial e interno do Flamengo, mas podemos informar que os gastos foram consideráveis.

Em sua opinião, como advogado, a falta de um acordo pode fazer esse caso se arrastar na justiça?

Naturalmente o caminho mais rápido para se dirimir conflitos é a via consensual. O Poder Judiciário conta com um grande acervo de processos para julgar. Por essa razão e, ainda, ligado ao fato deste caso ser bastante específico, já que deverá passar pela fase instrutoria e pericial, entendo que o processo poderá demorar.

Advogados utilizam muitas vezes a expressão "jurisprudência", embora não se tenha notícia de que algo parecido tenha ocorrido antes (adolescentes mortos em incêndio dentro do Centro de Treinamento de um clube de futebol). Por que "jurisprudência"? Não seria um caso, digamos, único?

O caso não é único, por vezes nos deparamos com eventos que causam mortes de pessoas. A jurisprudência é utilizada para se ter um norte de qual seria a orientação dos tribunais a respeito de determinado caso. A jurisprudência revela que casos de acidente culposo (que entendemos não ser o desse incêndio) tem recebido indenizações muito menores. A nossa diretoria partiu de premissas concretas e com base jurisprudencial e jurídica para delimitar os parâmetros financeiros dos acordos que estabelecemos e estamos ainda tentando finalizar.

Por que o Flamengo não entrou em acordo com os familiares logo após o incêndio, com a intervenção do MP?

O Flamengo entende que o MP não está legitimado para pleitear direito alheio em nome próprio. Logo após o incêndio alguns membros do MP, ao invés de tentar uma composição amistosa, nos trataram com o ânimo belicoso e tentaram impor um acordo à força, querendo tratar o Flamengo de forma agressiva, talvez por se tratar de caso de repercussão. O Flamengo não aceita ser tratado de forma impositiva numa situação dessas, até porque considera que tudo não passou de um acidente e que sua responsabilidade deriva não de culpa, mas do fato de estar com aqueles jovens sob sua responsabilidade. Por conta disso, passamos a negociar com as famílias em mediação e depois individualmente.

Qual a expectativa do clube, resolver isso rapidamente ou acredita que se arrastará na justiça?

O Flamengo espera fechar o maior número de acordos possíveis dentro dos parâmetros dos acordos já fechados, mas esta decisão não passa apenas pela nossa vontade, depende do interesse das famílias. Da nossa parte o interesse será sempre o de resolver de forma rápida e justa. Não sei responder por todos. Eu, por exemplo, já falei com ele. Mas tive que pedir autorização ao Thiago, advogado dele, porque um advogado não pode manter relação com a outra parte sem esse cuidado. Às vezes trocamos uma mensagem ou outra.
Mas sinto, claramente , que há uma dificuldade de aproximação, haja vista que anda não fizemos acordo e que ele está em luto. Sei que recentemente ele esteve no Rio com um irmão do Bernardo e o nosso CEO, Reinaldo Belotti, me disse que soube que ele gostou muito de ter vindo. Importante dizer que a vida de todos é muito corrida, às vezes não conseguimos dar atenção a nossos parentes, mas o Flamengo sempre se faz disponível, às vezes por seus dirigentes, outras por membros de seu corpo funcional que acompanha e está a disposição das famílias que precisem.

Há familiares dos garotos que lamentam a "falta de carinho" do clube de uma atenção, uma palavra, contatos dos dirigentes". Pergunto: por que os dirigentes do Flamengo não mantêm contato com os familiares, mesmo uma conversa telefônica eventualmente?

Mauro, a única pessoa que reclamou dessa questão pelo que chegou a mim foi o Darlei Pisetta, pai do Bernardo. Eu mantive contato com ele e, recentemente soube pelo nosso CEO, Reinaldo Belotti, que ele veio ao Rio com o irmão do Bernardo, esteve no Maracanã e conheceu melhor nossa estrutura. Quando falei com ele, tive que pedir autorização ao Thiago, advogado dele, porque um advogado não pode manter relação com a outra parte sem esse cuidado. Nesse contato senti, claramente , que há uma dificuldade de aproximação, haja vista que ainda não fizemos acordo e que ele está em luto.
Outro dia precisei falar com a Cristiana, mãe do Samuel, ela não estava confortável com meu contato, havia perdido o filho e, pouco tempo depois, a mãe. Me pergunto que alento o VP jurídico do Flamengo poderia levar a quem sofre assim? Eu não incomodei mais. Importante dizer que a vida de todos é muito corrida, às vezes não conseguimos dar atenção a nossos parentes, mas o Flamengo sempre se faz disponível, às vezes por seus dirigentes, outras por membros de seu corpo funcional que as acompanha. Estamos à disposição das famílias que precisem e desejem contato conosco. A Roberta Tanmure, nossa RH, tem o contato de todos e eles têm o dela, se quiserem conversar comigo, basta avisar a ela para me chamar que eu entro em contato. Acredito que o presidente atenderia a qualquer chamado também, mas não posso responder por ele.

Próximo entrevistado da série: promotor de Justiça Luiz Antonio Correa Ayres, do GAEDEST (Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor) do Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro.

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.