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Morte no CT: MP espera ter, neste mês, inquérito que pode apontar culpados

Mauro Cezar Pereira

04/02/2020 04h00

O promotor de Justiça Luiz Antonio Correa Ayres, do GAEDEST/MPRJ – Foto: Divulgação/MPRJ 

O incêndio no Centro de Treinamentos (CT) Ninho do Urubu, no qual morreram dez garotos que atuavam nas divisões de base do Flamengo completará um ano neste sábado, dia 8 de fevereiro. O blog está publicando uma série de entrevistas sobre o assunto. A primeira foi com Rodrigo Dunshee de Abranches, vice-presidente geral e jurídico do clube carioca.

Abaixo, você lerá as respostas do segundo entrevistado, o promotor de Justiça Luiz Antonio Correa Ayres, do GAEDEST (Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor) do Ministério Púbico (MP) do Rio de Janeiro.

O que faltou para que um acordo ocorresse logo após o incêndio, quando o MP esteve reunido com as partes?

O Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública agiram em conjunto, em uma atuação técnica e profissional, propondo ao clube o modelo de um Programa de Indenização (PI), nos moldes do PI 447, utilizado com sucesso no acidente com o avião da Air France. Tal PI possibilitaria ao clube cumprir com todas as suas obrigações, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de maneira rápida, eficiente e definitiva. O clube preferiu não aderir ao modelo do PI e tentar as negociações diretas.

Como vê o fato de algumas famílias fazerem acordo e outras não?

O clube não aceitou o PI alegando querer cuidar individualmente das necessidades de cada uma das famílias. O clube chegou ao primeiro acordo pelo valor que conseguiu fechar com uma primeira família e, em seguida, passou a propor pagar valores idênticos para cada uma das outras famílias.

Quais as próximas ações previstas pelo MP?

Na parte cível, confirmada a decisão judicial da medida cautelar obtida recentemente pelo GAEDEST/MPRJ e pela Defensoria Pública, com a fixação do pagamento de R$10 mil mensais por família, caberá ajuizar uma ação principal com os pedidos definitivos.

Qual a sua opinião sobre o uso do termo "jurisprudência" quando se fala em valores para indenização neste caso específico?

Não cabe juízo de valor no momento sobre qualquer argumento que busque o não cumprimento das obrigações indenizatórias. A manifestação do GAEDEST/MPRJ a respeito de valores das indenizações, neste caso específico, será fundamentada nos autos.

Diante desse cenário, o que o Flamengo oferece é igual, maior ou menor do que os valores normalmente pagos pelas empresas e instituições onde ocorreram tragédias que geram a perda de vidas?

O GAEDEST não se manifesta em tese, mas em relação ao valores previstos no Programa de Indenização (PI), o clube ofereceu valores inferiores, especialmente se considerarmos as características do caso.

O que as famílias pedem é quantas vezes mais do que aquilo que o clube oferece?

O valor que cada família pede é sigiloso, mas alguns advogados das famílias declararam em entrevistas que concordavam com os parâmetros propostos no PI. Com base nesses parâmetros, o clube ofereceu aproximadamente metade do valor que essas famílias considerariam como justo.

Pelo que sabes, o que o Flamengo fez e faz pelos familiares desde então, de ajuda financeira a apoio psicológico, deslocamento dos familiares até o Rio de Janeiro etc?

O clube cobriu a despesa dos deslocamentos dos familiares até o Rio de Janeiro em fevereiro de 2019. Desde então, o clube tem efetuado espontaneamente o pagamento de um valor mensal de R$ 5 mil para os familiares das vítimas fatais, superado pelos R$10 mil agora fixados cautelarmente pelo Poder Judiciário, a pedido do GAEDEST/MPRJ e da Defensoria Pública.

Como o MP acompanha a investigação que pode apontar os responsáveis (pessoas) pelo incêndio?

Independentemente da atuação na área cível, foi instaurado inquérito policial na 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes) imediatamente após o evento para a devida apuração de responsabilidades. Em maio, o inquérito foi encaminhado ao GAEDEST/MPRJ com relatório do delegado indiciando várias pessoas pela prática de crime de homicídio por dolo eventual (quando o agente sabe que sua ação ou omissão pode concretamente gerar o resultado morte, mas insiste em não adotar medidas que impeçam o resultado, não se importando caso o mesmo venha a ocorrer).
Após audiências solicitadas pelos advogados dos indiciados e realizadas no GAEDEST/MPRJ, foi efetuada uma primeira análise do conjunto probatório e considerada necessária a realização de outras diligências investigatórias: as oitivas de representantes de órgãos técnicos de licenciamento e de engenharia. Assim, foi determinado o retorno dos autos à delegacia de polícia para a realização das oitivas, retornando o inquérito em agosto de 2019.
Depois de nova e longa rodada de audiências solicitadas pelos advogados dos indiciados, foram juntadas novas informações sobre a empresa fornecedora dos containers e documentação recebida pelo clube. Dessa forma, foi promovido o retorno dos autos à delegacia em dezembro, com o prazo de 45 dias, para esclarecer os novos fatos. O GAEDEST/MPRJ tem a previsão de receber o inquérito concluído em fevereiro, prazo considerado razoável numa investigação tão delicada e complexa, com muitos indiciados e variáveis jurídicas a serem consideradas. Concluídas as investigações, a denúncia a ser oferecida apontará as pessoas que o MPRJ entende responsáveis pelos eventos que resultaram na morte e nas lesões corporais causadas aos adolescentes, com base em análise cuidadosa e técnica, descrevendo a conduta de cada qual que concorreu para o incêndio e suas consequências. No momento ainda não é possível antecipar quem será denunciado e qual a capitulação jurídica será dada aos fatos, justamente pela complexidade do caso, que envolve, em sua grande monta, prova pericial a ser analisada e esmiuçada, no bojo de um inquérito policial de 11 volumes.

Qual a importância de se chegar aos responsáveis? E de serem punidos?

É fundamental chegar à autoria de qualquer prática criminosa para punir os culpados. A sensação social de impunidade é extremamente nefasta, gerando um ambiente que leva ao descrédito das instituições. A punição dos responsáveis é de suma importância não apenas para satisfazer o legítimo anseio da sociedade por justiça como também, e em especial no caso vertente, para prevenir que fatos como este se repitam. O futebol é uma paixão nacional e movimenta muito dinheiro, de modo que a punição dos responsáveis por meio do devido processo legal, espera-se, faça com que todos os personagens envolvidos com o futebol brasileiro (clubes, federações, dirigentes, atletas) entendam que não há mais espaço para amadorismo de qualquer natureza, principalmente quando se trata da segurança e da vida de atletas de base, jovens que buscam a realização de um sonho. O GAEDEST/MPRJ continuará sempre empenhado na correta punição dos responsáveis por práticas delituosas.

Em sua opinião, porque se fala tanto no dinheiro (obviamente fundamental) das indenizações e não se comenta tanto sobre a investigação, por que não se clama por justiça?

É muito difícil formar um juízo de convicção e emitir uma opinião sobre as razões que levam a sociedade a valorar mais um fato em detrimento de outro, ainda mais quando são duas faces da mesma moeda – no caso, a indenização e a punição criminal. Não cabe ao GAEDEST/MPRJ julgar a opinião pública, sendo certo que a apreciação do Ministério Público e do Poder Judiciário é técnica e imparcial.

Acredita que o caso possa se arrastar na justiça por anos e ao final seja determinado por ela o pagamento de um valor até menor do que o oferecido pelo clube?

É difícil prever a duração de um processo em razão dos diversos recursos previstos na legislação brasileira. Importante ressaltar que a Justiça já determinou o pagamento de R$ 10 mil reais mensais, indicando que o clube deve pagar valor superior ao de sua proposta original. O valor final será fixado pelo Judiciário ao fim do processo.

Leia também:
Flamengo não concorda em pagar quantias exageradas", diz vice jurídico

Próximo entrevistado da série: Thiago Divanenko, advogado que representa as famílias do atacante Vítor Isaías, cuja avó fez acordo com o clube, e do goleiro Bernardo Pisetta, ainda sem consenso entre seus familiares, dirigentes e advogados rubro-negros.

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.


Mauro Cezar Pereira