Só se fala em dinheiro: morte de garotos do Ninho virou munição de biltres
Mauro Cezar Pereira
13/01/2020 04h00
Grupo dê torcedores do Flamengo criou a campanha e a # "Não esquecemos", para cobrar uma solução
Todo dia 8 meu celular dispara um lembrete. E lá vou eu tuitar que mais um mês se passou desde o incêndio que matou dez meninos das divisões de base do Flamengo. Que o clube segue sem vir a público atualizar torcida e opinião pública, informar clara e detalhadamente sobre o acordo com as famílias, a maioria ainda no impasse. E que a justiça até hoje não apontou responsável(eis) pelo que aconteceu no Ninho do Urubu.
Com certa frequência, questiono os dirigentes, no último dia 8 o fiz mais uma vez. Sigo esperando respostas mais objetivas, humanas e menos "técnicas". A morte dos garotos foi a página mais aterrorizante da história do futebol brasileiro, não somente do Flamengo. Nenhum título compensará, obviamente, aquela dor. Foi absurdo, inaceitável, indesculpável.
Reprodução: Twitter
Claro que o Flamengo deveria se empenhar mais em resolver o imbróglio da indenização de seis famílias e meia das 10. Também é fato que representantes dessas pessoas talvez pudessem ser mais razoáveis numa negociação, tanto que três famílias e meia se acertarem com o clube. Nos bastidores, comenta-se que a proposta de acordo é muito maior do que a chamada jurisprudência. Será que ao esticar a corda, pedindo, eventualmente, muito mais, advogados não correm o risco de levar os familiares a, na justiça, esperar por anos e receber até menos? O tema é muito delicado e abordá-lo extremamente difícil ante a estupidez de tantos a nos cercar.
Mas é evidente que os dirigentes do Flamengo têm que fazer mais para darem um jeito nisso. Essas famílias devem ser amparadas. Também é óbvio que os atuais comandantes do clube lá chegaram pouco mais de um mês antes do acontecido. É leviano pura e simplesmente aponta-los como responsáveis pelo incêndio, cabe à investigação decifrar quem merece o rótulo. Mas são, sim, os encarregados de eliminar o que está ao alcance deles: o impasse financeiro, a indenização. Obviamente as cifras não seriam impossíveis para o Flamengo, longe disso. Então, senhores, resolvam!
Muitas pessoas cobram um ponto final nisso, rubro-negros especialmente. Uma contratação certamente não os deixaria tão satisfeitos quanto o acordo com todos os familiares. Contudo, pouco se fala em justiça. Parece que a situação se resume a dinheiro. Ele é importante para as famílias dos meninos, mas existe uma questão que deveria ser lembrada mais vezes e por mais pessoas: onde estão e quem são os responsáveis?
Paralelamente, nas redes sociais, verdadeiros vermes virtuais, mórbidos, covardes, insignificantes, se aproveitam da tragédia para tripudiar em risíveis discussões clubistas. Como se torcedores do Flamengo e jornalistas (especialmente os que são rubro-negros, como eu) concordassem com o impasse que se aproxima de um ano. Como se não fossem feitas matérias e cobranças frequentes desde o maldito 8 de fevereiro de 2019. Um grupo de torcedores do Flamengo criou a campanha e a # "Não esquecemos", para cobrar uma solução. Só alguns fanáticos clubistas rasos minimizam a situação.
Há mais de 30 anos ingleses pedem justiça para os 96 mortos de Hillsborough
E eles eram meninos, adolescentes, praticamente crianças. Quem quer clamar prioritariamente por justiça, como torcedores do Liverpool fazem há mais de 30 anos pela tragédia de Hillsborough? Então se o clube finalmente indenizar os familiares estará tudo resolvido? Ou esses desprezíveis seres da internet buscarão outra arma mórbida? Não, eles não estão preocupados com as famílias, querem apenas usar a tragédia e sua dor como munição em discussões ridículas sobre futebol. Biltres!
Quase um ano depois, o incêndio do Ninho do Urubu é mais do que uma tragédia que jamais cicatrizará. Ela também escancara o quão desprezível o ser humano consegue ser. E como o dinheiro parece valer mais do que a vida. Não só para quem não paga, mas também para os que usam as mortes dos garotos para atacar quem não é responsável pela tragédia. E tudo isso com fins minúsculos, como esses elementos são.
Sobre o autor
Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.
Sobre o blog
Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.