O corporativismo de Mano Menezes, que conta uma piada sem rir. Mas faz rir
Mauro Cezar Pereira
30/10/2019 10h40
O Bola da Vez da ESPN não é um programa humorístico, mas pode parecer. Entrevistado por André Plihal, Gian Oddi, ambos da emissora esportiva; e Danilo Lavieri, do UOL, Mano Menezes disse sobre Jorge Jesus: "Eu penso que, com esses jogadores aí, Abel Braga também teria sucesso no Flamengo (…). Não teve os laterais, não teve o Gérson, não teve o zagueiro, e estava com quantos meses de trabalho? Não estava nem com quatro cinco meses, mais um mês de preparação, três meses de competição…"
Confesso, eu ri. Ri alto! O corporativismo de certos treinadores do futebol brasileiro ultrapassa todos os limites. Quando um estrangeiro desembarca por aqui e muda a ordem das coisas fazendo um time que estava oito pontos atrás do líder disparar com dez de frente sobre o segundo colocado, além de alcançar a semifinal da Libertadores massacrando o campeão de dois anos atrás, parece impossível a esses profissionais reconhecer que urge parar e repensar o próprio trabalho. Repensar treinos, estratégias, tudo.
Passado o agradável efeito da gargalhada proporcionada pela fala do treinador, impossível não parar e tratar o tema com a seriedade que merece. Os argumentos do atual técnico do Palmeiras são tão risíveis e desconectados da realidade que o torcedor alviverde, ao ouvir tal pérola, deve ter ficado e preocupado, sem motivo algum para rir. Afinal, se o comandante do caro elenco campeão brasileiro pensa assim, quais serão as perspectivas da equipe sob esse comando? Não há como ser indiferente. Aos fatos:
Mano Menezes com Plihal, Oddi e Lavieri: corporativismo na veia – Foto: Reprodução
1) Abel começou seu trabalho em 2 de janeiro. Ele pediu demissão, se despedindo do elenco em 29 de maio. Portanto trabalhou por 147 dias.
2) Jesus deu seu primeiro treino em 20 de junho, estava a oito pontos da liderança do Campeonato.
3) O português assumiu a primeira colocação em 66 dias. Abel teve pré-temporada, Jorge Jesus contou com duas semanas de treino até a estreia.
4) Abriu 10 pontos de vantagem sobre Mano no 122º dia de trabalho.
5) Quando goleou o Grêmio por 5 a 0 tinha 125 dias no cargo.
6) Ao chegar a 156, nove dias a mais do que Abel permaneceu no clube, Jesus estará decidindo a Libertadores.
7) Ele pediu um zagueiro com as características de Pablo Marí, com seu antecessor, dificilmente o espanhol seria "descoberto".
8) "Vamos precisar de mais jogadores de lado. Só aí saíram dois (Geuvânio e Marlos Moreno). Hoje temos o Vitinho (…). Temos necessidades óbvias. Tem um menino que me chamou muita atenção no treinamento. Gosto muito disso, de ter um cara que me chama a atenção no primeiro treino. O garoto machucou muito, foi emprestado… Eu ainda confundo o nome de dois ou três, aí perguntei quem era. É o Thiaguinho (Thiago Santos). Interessante esse cara, e é de lado. Vamos ver. Mas realmente precisamos de mais. Temos o Berrío, que tem uma grande velocidade e disposição", disse Abel em seu quarto dia de trabalho durante entrevista. Note que jogadores com as características (e das posições) dos por Mano citado (Rafinha, Marí, Filipe Luís e Gérson) não estavam nos planos iniciais do ex-técnico.
9) "Arrascaeta, Vitinho ou Bruno Henrique gostam do lado esquerdo, mas eu não tenho três lados esquerdos. Tenho três jogadores que jogam do lado esquerdo. Então, um vai sempre para o lado direito", disse Abel, em entrevista no dia 9 de março. O ex-treinador do Flamengo simplesmente não sabia como encaixar Bruno Henrique e Arrascaeta no time. Juntos eles e Gabigol (que era escalado na ponta-direita) fazem sucesso e somam 75 gols em 2019. Um deles, contra o Palmeiras, em cruzamento do camisa 27 para cabeçada do uruguaio, ajudou a demitir Luiz Felipe Scolari, abrindo espaço para Mano Menezes em seu atual emprego.
10) Mano chegou ao Palmeiras a três pontos da liderança. Está a 10. Como explicar isso? Abel teria tal vantagem sobre ele?
Além dos fatos acima elencados, impossível não causar espécie declarações que desafiam a inteligência alheia e levam para o raso um importante debate sobre o futebol praticado no Brasil. Mano ignora o choque provocado pela chegada de dois estrangeiros, os Jorges Sampaoli e Jesus. Opta por defender um treinador brasileiro, embora, inteligente que é, provavelmente saiba que as coisas, na prática, são totalmente diferente do que diz.
Perdeu enorme chance de acrescentar algo a respeito, preferiu a retranca, o conservadorismo, a mesmice. Parecia escalar seu time, mas estava dando uma entrevista. Contudo, foi engraçado. Se quiser gargalhar, o Bola da Vez com Mano irá ao ar no sábado à meia-noite e terça-feira às 21h30 na ESPN Brasil. Li que "no rosto o riso envolve 12 músculos, a gargalhada 24, além de outros músculos como o diafragma e abdominais". Então, aproveite.
Sobre o autor
Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.
Sobre o blog
Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.