Fifa muda regra, “fatiamento” de jogadores voltará e clubes sairão ganhando
Mauro Cezar Pereira
21/05/2019 21h47
Por João Henrique Chiminazzo*
A partir de 1º de junho de 2019 entra em vigor o novo "Regulations on the Status and Transfer of Players" da FIFA. Em tradução livre: "Regulamento sobre o Status e Transferência de Jogadores" . O que chama mais a atenção no novo Regulamento é a inovadora interpretação dada ao artigo 18TER, que desde 2015 proíbe "terceiros" de terem participações nos direitos econômicos dos jogadores. A principal mudança no novo Regulamento é a definição de quem seriam os "terceiros" nessa relação.
Em singela definição, entende-se por direitos econômicos o valor recebido pelo clube na negociação do jogador, nada mais sendo do que o valor da Cláusula Indenizatória Desportiva, popularmente chamada de multa. A definição anterior de terceiro era "qualquer outra parte que não sejam os dois clubes transferindo o jogador de um para outro, ou qualquer clube no qual o jogador tenha sido registrado anteriormente".
A nova definição passou a ser: "qualquer outra parte que não seja o jogador sendo transferido, os dois clubes transferindo o jogador de um para o outro, ou qualquer clube no qual o jogador tenha sido registrado anteriormente". Com isso, tem-se claro que os atletas poderão ter participação nos direitos, voltando à tona uma antiga discussão acerca do "fatiamento" dos atletas.
Todavia, essa é uma questão que precisa ser analisada com muita cautela e alguns mitos precisam ser derrubados, entendendo-se o motivo pelo quais surgem esse "fatiamento" e quais os desdobramentos e riscos envolvidos. Como a participação dos direitos econômicos nada mais é do que um percentual sobre a "multa", tem-se de forma clara que esse percentual só subsistirá enquanto aquele determinado contrato de trabalho estiver em vigor. Ao seu final não há mais multa e, consequentemente, direitos econômicos.
O advogado Chiminazzo: mudança feita pela Fifa no Regulamento sobre o Status e Transferência de Jogadores
Portanto, fica claro que essa é uma operação de risco, uma vez que não são todos os atletas que são negociados de forma onerosa e, por consequência, não é sempre que há esse pagamento de "multa". Na maioria das vezes o detentor vê seus direitos se perderem com o tempo, não podendo se falar que o clube teve qualquer prejuízo com a cessão dos mesmos.
Importante deixar claro que o direito econômico é exclusivo do clube e só há a sua divisão com a anuência da agremiação. Vale esclarecer porque surgiu a partilha. Primeiro no momento em que o atleta era contratado pelo clube, muitas vezes sem condição financeira. Para contar com o reforço, oferecia parte dos direitos. O comprador de tal "fatia" apostava junto no sucesso do jogador, pensando em também lucrar no caso futura negociação.
O clube, ao invés de oferecer salários mais altos, luvas ou pagamentos de comissões a intermediários, cedia parte dos direitos econômicos, o que, por si só, já lhe trazia um benefício, pois deixava de gastar com a contratação. A segunda motivação era o clube em situação financeira ruim, com atrasos nos salários, se socorrendo a investidores. Em troca do aporte financeiro, eles ficavam com parte dos direitos de certos jogadores.
Mais uma vez é importante deixar claro que o clube, nessa segunda hipótese, tinha ganho financeira imediato, com a injeção de dinheiro. Analisando a questão sob qualquer um dos dois prismas, tem-se que os tinham vantagem inicial com essa divisão dos direitos econômicos, seja de forma indireta (com a economia de valores que não precisariam ser pagos) ou direita (com o aporte financeiro dentro do clube). Essa sempre foi uma operação de risco, pois a grande maioria dos atletas não eram negociados e com o encerramento do contrato. Chegava ao fim a partilha dos direitos, sendo que de alguma maneira o clube já se beneficiara da situação.
É obvio que na maioria dos casos o jogador era negociado por elevados valores e os clubes não recebiam a integralidade da multa, o que acabou por criar o mito de que o "fatiamento" do atleta sempre foi prejudicial ao clube, que na realidade já havia se beneficiado com tal divisão. É possível concluir que:
- Os Direitos econômicos sempre foram, inicialmente, de titularidade exclusiva do clube. Qualquer cessão só poderia ocorrer com a anuência do clube.
- Os clubes sempre tiveram vantagens (diretas ou indiretas) com a cessão dos Direitos Econômicos
- Na esmagadora maioria dos casos, o jogador não era negociado e essa divisão dos Direitos Econômicos não se concretizava.
Com isso, os clubes nunca foram vítimas dessa divisão dos direitos econômicos dos jogadores, pois ela sempre ocorreu com a anuência deles, sempre beneficiados, direta ou indiretamente.
* advogado, mestre em Direito Desportivo pela Universidade de Lerida, na Espanha
Sobre o autor
Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.
Sobre o blog
Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.