Jovem técnico tenta superar deficiências do elenco sem abrir mão da bola
Mauro Cezar Pereira
02/05/2019 15h00
Eduardo Barroca (pronuncia-se Barróca) levou a campo o Botafogo para a estreia no Campeonato Brasileiro após apenas 10 dias de treinamento. Em pleno Morumbi, diante do São Paulo, um dos mais caros elencos da Série A e estreando três reforços internacionais (Pato, Tchê Tchê e Vítor Bueno), os alvinegros tiveram mais posse de bola (67%) e surpreenderam. O comportamento foi totalmente diferente do apresentado com Zé Ricardo.
Ex-auxiliar no próprio clube carioca, o jovem treinador de 37 anos estava no Sub-20 do Corinthians quando aceitou o convite para voltar à estrela solitária, desta vez para assumir o time principal. E parece mesmo disposto a fazer algo fora do padrão que impera no futebol praticado no país. Barroca conversou com o blog antes da segunda partida da equipe no Brasileirão, a primeira diante da torcida botafoguense, frente ao Bahia.
Eduardo Barroca com os atletas no treinamento da segunda-feira: preparação para enfrentar o Bahia
Como sair do lugar comum no trabalho de técnico de futebol no Brasil?
Tenho como filosofia de vida que, para poder ser crítico a alguma coisa, preciso fazer a minha parte, agregando algo além do resultado ao meu trabalho, seja dando chance aos jovens ou com uma maneira de jogar que valorize o atleta e ele sinta-se feliz, valorizado. Existem várias formas de se fazer isso, é o que estou tentando no Botafogo. Minha responsabilidade é tentar trabalhar na excelência e no encorajamento.
Há que acredite que as deficiências técnicas do elenco inviabilizam isso…
O jogador que chegou a uma possibilidade de jogar na Série pelo Botafogo já passou por vários processos seletivos, desde a categoria de base. E estou tendo a chance de trabalhar com o topo da pirâmide, pensando em atletas de futebol. Isso não faz muito sentido sem esgotar todas as possibilidades de tirar mais desse jogador, tentando extrair dele o que tem de melhor.
Seu time trocou, em média, 398 passes por jogo no Estadual. Na vitória por 3 a 0 sobre o Defensa y Justicia pela Copa Sul-americana foram 87! Sua equipe alcançou 628 no Morumbi contra o São Paulo. O que você fez nesses 11 dias?
Nesses 10 dias de treino, na verdade, pois o 11º foi o do jogo contra o São Paulo. Trabalhei em três pontos, pressão na bola, controle do jogo e não abrir as costas porque sabia que o adversário tinha capacidade de definição com jogadores muito bons. Então nos 10 dias trabalhei em cima de pressão para ter a bola o mais rapidamente possível. Parti do princípio de que, se o São Paulo tem jogadores com capacidade de definição e só os deixo 33% com a bola, significa que não terão tanto tempo com ela me pressionando.
E qual foi o antídoto tentado?
Trabalhamos para ficar mais próximos uns dos outros e reduzir a possibilidade de errar passes, tentando chegar na área. Sabia que o São Paulo, quando estivesse com a bola, nos causaria problemas, como causaram. Procuramos não abrir espaços para as infiltrações de Tchê Tchê e Igor, além das chegadas de Antony, Everton e Pato. Nesse segundo momento eu vou enfatizar todos esses pontos, porque entendo que o controle de posse de bola não se retratou em chances de gol e tenho um pouco de responsabilidade nisso, pois não consegui fazer isso nesse pouco tempo.
Como resolver?
Entendo que são quatro as possibilidades de se fazer gol: bola parada, chute de fora da área, cruzamento e infiltração, jogadas trabalhadas. A tendência é criar padrão e movimentos que vão facilitar e aumentar nosso volume nessas quatro situações, chutes de fora da área numa condição melhor. É preciso preencher a área para os cruzamentos, movimentar para abrir espaços que permitam os chutes de fora.
Qual sua análise dos gols sofridos no Morumbi?
No primeiro gol erramos desde o início da jogada porque ajustamos um tipo de pressão e fomos sendo desequilibrados desde lá de trás. Além disso, no primeiro gol era a dobra de marcação no Antony, com Pimpão e Jonathan ou João Paulo. Enfrentei esse jogador na base muitas vezes e pensamos nisso. Mas diante do erro inicial, estávamos desequilibrados quando a bola chegou ao jogador do São Paulo. Foi um erro coletivo desde lá na frente.
Sofremos o gol mesmo tendo superioridade numérica na área. O segundo gol também reputo a uma situação coletiva, Tchê Tchê fez um passe para o Hernanes e o Hudson chegou. Faltou fechar o corredor central, erros pelos quais se paga um preço alto contra uma equipe como a do São Paulo, mas no meio disso tudo fizemos muitas coisas boas.
Ainda há quem defenda um time com mais volantes para compensar os meias e atacantes que "não marcam". Como será no Botafogo?
Na minha cabeça o Gatito, nosso goleiro, tem que ser o primeiro atacante, e o Erick, o mais avançado, o primeiro defensor. Os 11 precisam participar de todos os momentos. E a equipe do Botafogo tem potencial para se desenvolver.
O posicionamento dos jogadores contra o São Paulo (à esq., fonte: SofaScore) e onde eles tiveram a bola (fonte: Footstats): falta de presença ofensiva é problema para Eduardo Barroca no comando do Botafogo
Por que tantos times do país recusam a bola?
Tem muito de como a pessoa foi formada no futebol. Eu trabalhava no Bahia com o Falcão e fui observa um futuro adversário com um colega gaúcho. Fizemos isso separadamente. Após o jogo perguntei a ele qual o principal jogador que viu em campo e apontou um que teve grande entrega física e participação. Na minha visão havia sido outro, mais técnico, com uma relação maior com a bola. Então respeito todas as visões porque isso está ligado à forma com a pessoa foi educada no futebol.
Qual a responsabilidade de um treinador?
Eu sou um grande apreciador de samba, se eu tiver o ingresso para o show de um grande cantor, mas ele só cantar o refrão, não vou ficar satisfeito. Entendo que uma das minhas responsabilidades é entregar algo que cause emoção às pessoas que veem minha equipe jogar. Às vezes não se consegue pelas próprias deficiências ou pela imposição do adversário. Mas atacar em espaço curto e defender em espaço longo é muito mais difícil. No cenário atual, na busca por resultado talvez algumas pessoas busquem outro caminho, mas tento sempre agregar algum outro valor além do resultado.
Diego Souza pode mudar o patamar desse Botafogo?
Há muito pouco tempo ele jogou como centroavante da seleção principal, na minha cabeça é um jogador muito importante e que veio com o protagonismo. Mas passou os últimos dias em recuperação. No curto prazo ainda não posso falar porque vamos começar agora a trabalhar juntos, vai depender dos estímulos que serão dados e das cobranças.
Times como Fluminense e agora Botafogo têm muita posse de bola e esbarram na fragilidade técnica de alguns jogadores quando precisam criar chances, como superar isso?
Com ordenação e volume. Se eu pratico um jogo em que fico com a bola no campo do adversário, preciso de mais repetição, com organização a tendência é fazer mais gols de bola parada e aumentar as situações de gol com jogadas ensaiadas. Se eu cruzar 25 a 30 bolas num jogo a tendência é criar mais pela repetição e combinação entre os jogadores, compensando coletivamente. Não adianta lamentar ou entender que individualmente não possa competir com equipes de maior investimento. Uma de minhas responsabilidade e conseguir equilibrar qualquer tipo de situação com coletividade.
Time não trocou passe dentro da área (fonte: Footstats)
Os laterais do Liverpool, Alexander-Arnold e Robertson, já deram mais de 20 assistências na temporada, com passes e cruzamentos precisos. Para você, chegando ao lado, à linha de fundo, cruzamentos aleatórios ou passes?
Gostei dessa referência ao Liverpool. Não tenho dúvida de que o alto índice de assistências está relacionado ao volume. Se eu fico com a bola 30% a 40%, significa que na maior parte do tempo não estou com ela e esse lateral não atingirá os números esperados. Partindo do princípio que a equipe tenha volume, mais a técnica do jogador, acredito no cruzamento em cima do hábito e do entendimento naquela parte do campo. O gol que o Botafogo fez contra o Juventude, com Cícero, em Caxias do Sul, por exemplo. O cruzamento tem que ser feito num setor de acordo com o adversário e a situação.
Qual o técnico no futebol mundial que o inspira?
Muito difícil citar um, gosto de ver o Liverpool, o (Manchester) City, o Barcelona, o Celta, as equipes do Sarri me interessam muito. E aqui no Brasil trabalhei com treinadores com características diversas. Não posso deixar de falar no intervalo de jogo do Joel Santana e sua capacidade de transferir para o grupo suas observações. E tem outros, como o Fernando Diniz.
Que time no mundo gosta de ver jogar?
Me agradam Manchester City e Barcelona, seria ótimo vê-los se enfrentando.
Treinadores como Alberto Valentim e Zé Ricardo surgiram com times que priorizavam a posse e o passe, respectivamente em Palmeiras e Flamengo, mas seus últimos trabalhos foram mais reativos. Essa transformação pode acontecer contigo?
São escolhas, temos a responsabilidade de interpretar escolher o que se deseja, não me sinto capaz de avaliar profundamente as referências. Anteriores porque não estava dentro do processo, mas achei que a principal responsabilidade do treinador é escolher e assumir a responsabilidade.
Qual o objetivo realista do Botafogo em 2019?
Estou trabalhando com o seguinte cenário: tentar pontuar o máximo até a nona rodada, que será a última antes da Copa América, para criar uma base de jogo e para jogar bem depois dessas partidas, aproveitando uma pausa de quase 30 dias para treinamentos. Acredito que tendo uma boa base e conseguindo bons resultados, colocando alguma vantagem, teremos essa condição de planejar algo adiante, num segundo momento, quando clarear mais e então vamos ver quais serão nossas ambições lá na frente.
Sobre o autor
Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.
Sobre o blog
Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.