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Flamengo erra e assume o papel de vilão, mas não perguntamos pelos culpados

Mauro Cezar Pereira

22/02/2019 11h02

Em meio a memes, zoeiras, agressões, textos bons e ruins, a rede social nos traz boas observações. Na manhã desta sexta-feira, me deparei com um comentário no Twitter que merece reflexão: "Apenas uma constatação: Não se vê um pai cobrar justiça, investigação e punição ao responsável pela tragédia no CT. A discussão aberta à imprensa é sempre por indenização, ainda que sempre digam que dinheiro nenhum vale a vida de um filho", escreveu o torcedor do Flamengo @b_delaurentis. Vou além, não se vê um repórter, um apresentador, um comentarista, um colunista, um blog, um veículo de comunicação bater nesta tecla. A pauta única parece ser: quanto os familiares receberão. É apenas isso o que importa?

O colega Marcelo Baltar, do site Globo Esporte, registrou na mesma rede social: "Fla não se pronunciou após reunião com familiares no TJ (Tribunal de Justiça). Internamente, clube entende indignação das famílias de luto, mas avalia que em nenhum momento houve o real desejo dos advogados em negociar um acordo, pois a ideia dos representantes é levar o caso para os tribunais". Em contato com algumas fontes, me disseram que a proposta seria superior a R$ 700 mil e até três salários mínimos por 10 anos, como comentado. No caso, cerca de R$ 1 milhão, mais R$ 5 mil mensais até o momento em que os garotos teriam 30 anos. Familiares estariam pedindo mais dinheiro e até quando os meninos fariam 45 de idade.

Se esses números estiverem corretos, fica ainda mais difícil entender a estratégia do Flamengo e sua crítica gestão de crise, pois a distância não seria tão grande assim em relação ao reivindicado. Em silêncio, seus representantes não concedem entrevistas, se limitam a disparar notas oficiais e o clube assume o papel de vilão quando os familiares resolvem protestar publicamente. Como escrevi no post anterior, "podem aparecer aproveitadores dispostos a induzir familiares a pedir mais dinheiro", mas isso não significa que os estrategistas rubro-negros tenham o direito de expor a paixão de milhões de tal forma. A torcida, nitidamente, quer ver essas pessoas amparadas.

Tomando como base os números vazados pela imprensa, vamos imaginar que, na média, cada uma das 10 famílias receba R$ 1,2 milhão de cara. Além disso, o clube desembolsaria até o momento em que os meninos alcançariam 35 anos (final estimado da carreira profissional), mais R$ 5 mil mensais por cada pai e mãe vivos e R$ 7,5 mil por mês aos que criavam os filhos sem o(a) parceiro(a). Os pagamentos seriam interrompidos quando da morte de cada um deles. Se todos os garotos tivessem os pais a criá-los, e nem é esse o caso, o custo seria de R$ 12 milhões, a serem pagos de imediato, ou em determinado número de parcelas negociáveis, mais um valor que não chegaria a R$ 100 mil mensais no fluxo de caixa rubro-negro.

Considerando as vítimas com 15 de idade, seriam até 20 anos pagando aos familiares, ou seja, um máximo de R$ 2,4 milhões diluídos ao longo de 240 meses para cada família (R$ 100 mil mensais), que somado ao montante inicial, significariam até R$ 3,6 milhões a cada casal, ou R$ 15 mil por mês até o fim da vida. É apenas um exercício por alto, que mostra a viabilidade de um acordo. E o quão evitável é o impasse, em que pese possam existir os que tentem estimular os familiares a evitar um consenso para brigar na justiça por quantias bem maiores, mesmo com o risco de derrota nos tribunais.

Se as indenizações vão sair mais caras do que deveriam, dentro de uma análise fria em relação a casos semelhantes, a essa altura isso não importa. Como não houve preocupação com custos, quando, de imediato, a direção rubro-negra assumiu despesas com hospital, velórios, passagens, hotéis, psicólogos… É um episódio sem precedentes, não cabe comparar o incêndio no Centro de Treinamentos ao da Boate Kiss, que matou 242 pessoas e feriu 680 no interior gaúcho. Tampouco com os terríveis desastres nas barragens de Brumadinho, neste ano, e Mariana, em 2015, ambos em Minas Gerais.

Eram menores de idade dormindo no CT, sob responsabilidade do Flamengo. Mas clube não fala, nem toma decisões, não é um ser vivo, mas uma instituição. Pessoas decidem por ele. Como acontece com prefeitura, Corpo de Bombeiros etc. Então voltamos ao começo do texto e à reflexão proposta pelo tuiteiro: houve falha humana? Quais cidadãos erraram a ponto de acontecer tamanha catástrofe? Eles são culpados? Haverá justiça? Com a palavra, os familiares, nós, jornalistas; a sociedade. Ou clamaremos apenas por dinheiro para os parentes das vítimas?

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.


Mauro Cezar Pereira