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Mauro Cezar Pereira

Chefe dos árbitros admite demora do VAR: "Estamos mal, precisamos melhorar"

Mauro Cezar Pereira

12/08/2019 16h30

O VAR (sigla em inglês para Video Assistant Referee, o Árbitro de Vídeo) tem sido motivo de intermináveis discussões envolvendo o futebol jogado no Brasil. Praticamente todos na imprensa, pelo menos em algum momento, criticamos as arbitragens. Mas o que tem a dizer o chefe dos apitadores e auxiliares?

Para entender melhor as dificuldades e saber o que está sendo feito para melhorar o uso do recurso de vídeo, o blog entrou em contato com Leonardo Gaciba, que foi árbitro e depois comentarista de arbitragem por oito anos. No começo de abril ele foi empossado presidente da Comissão Nacional de Arbitragem da CBF. Abaixo, a entrevista.

Leonardo Gaciba: tempo é a preocupação no uso do VAR – Foto: divulgação/Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Qual sua avaliação sobre o uso do VAR até aqui?
Tenho um dado que mostra que a arbitragem de vídeo é fundamental para a credibilidade da competição. Tínhamos 80 erros capitais no ano passado, nessa altura do campeonato, e agora são oito. Isso significa 1.000% de melhora, passamos literalmente de 80 a 8. A velocidade do jogo mostra que é cada vez mais difícil apitar futebol e que há a necessidade do VAR.

E o tempo, a demora nas decisões?
Estamos mal, precisamos melhorar, realmente. Não existe explicação na demora de quatro minutos para rever o primeiro pênalti a favor do Bahia (no empate em 2 a 2 com o Palmeiras). Isso é mau manuseio da ferramenta. Claramente temos que evoluir. Se isso não melhorar, continuaremos desgastando uma ferramenta que se mostra imprescindível para o trabalho da arbitragem. Temos que utiliza-la de maneira justa e ao mesmo tempo sem o desgaste da demora, precisamos ser mais ágeis. Podemos até perder uma coisinha, mas temos que ser mais ágeis.

O que seria "perder uma coisinha", ampliar o risco de errar?
Não tenho dúvidas de que correremos esse risco. Mas hoje temos 97% de aproveitamento. Os clubes não reclamaram tanto das decisões finais, porque o VAR ajudou muito, assim mesmo esses 3% são suficientes para muita gente achar a arbitragem de vídeo ruim. Temos que melhorar a fluência do jogo, para encontrar essa equação entre a justiça e a emoção. Nós não podemos é tirar a emoção do jogo de futebol.

Sábado, Raphael Claus hesitou após a correta validação do primeiro gol do Santos contra o São Paulo pela auxiliar Neuza Bach. Com isso, interrompeu a comemoração, afetou a emoção do jogo.
A orientação é, sempre que se toma uma decisão no campo, passamos para próximo movimento do jogo. Então ele deveria ir para o centro do campo. Se ao chegar lá o VAR dissesse que estava impedido, anularia o gol.

Ela foi precisa, por que ele hesitou?
Ela é muito boa e foi mesmo bem. Mas não percebi a hesitação. Ele apontou o centro de uma forma mais tranquila…

Mas o Claus parou…
E normal respirar, conversar, talvez o todo, pois tivemos muitos gols anulados pelo VAR, tenha causado aquilo. O gol do Sassá contra o Avaí foi o contrário, o jogador não pôde comemorar o gol porque o bandeira deu impedimento.

Puxão de camisa sábado, Pablo Marí em David Braz: pênalti para o Grêmio, contra o Flamengo, com interferência do vídeo. Domingo, puxão de João Paulo, do Botafogo, a camisa de Briam Romero, do Athletico. O VAR sequer entrou em ação. O que explica isso?
Não posso falar de jogadas específicas, mas eles estão ali para aplicar a regra do jogo. Não posso me aprofundar, seria como um técnico explicando porque o jogador perdeu o o pênalti.

Então você constatou o erro. Em linhas gerais, quando percebe esse tipo de falha como a de Douglas Marques das Flores e do árbitro de vídeo, Marcio Henrique de Gois, em Botafogo x Athletico; como tem agido?
Minhas escalas estão falando. Quando alguém erra, recebe tratamento compatível, é meritocracia. A grande verdade é que até aqui nossa média de revisões era seis por rodada. Nessa ainda falta um jogo (CSA x Fortaleza será disputado à noite) e estamos com 10. É uma rodada um pouco atípica, em especial dois jogos de domingo a tarde, na TV aberta (Palmeiras x Bahia e Botafogo x Athletico), tiveram muito uso do árbitro de vídeo.

Como define esse tipo de erro?
Erros pontuais que ocorrem. Nem a Fifa achou a perfeição na Copa do Mundo, chegando a 98% de acerto. Temos 97%. Tente dizer dez erros da arbitragem do Campeonato Brasileiro. Tenho certeza de que no ano passado seria fácil identificar esses dez erros.

Qual o tempo ideal para uma decisão com uso do vídeo?
Em média, no Brasil estamos levando um minuto e 50 segundos para tomar uma decisão, o que é razoável.

Qual sua meta?
Chegar a, no máximo um minuto e 20 segundos. A Champions League passada teve um minuto e meio de média para decisões com uso do VAR.

O que achou da primeira rodada da Premier League, com decisões rápidas e transparentes para quem acompanhava os jogos nos estádios e pela TV?
É diferente, a começar pelos dois anos de treinamento offline (treinamentos sem que valessem para os jogos). Vamos lembrar que a Inglaterra não tem o tamanho de São Paulo, talvez (nota do blog: 248.209 km² é o tamanho do território do Estado brasileiro, 130.395 km² a área que compõe o país do Reino Unido). É um pais menor e a qualidade do jogo, a cultura inglesa em relação ao futebol e em relação ao árbitro é outra. A postura dos atletas é diferente, por consequência, tudo fica mais fácil.

Eles são um bom exemplo para a arbitragem brasileira?
Gosto muito de pegar bons exemplos e uma das coisas que pretendo conseguir, como presidente da comissão de arbitragem, é fazer como na Inglaterra, onde há quatro, cinco reuniões por ano com os clubes para discutir os detalhes da arbitragem. Temos que trabalhar por um futebol melhor, um espetáculo melhor para quem assiste. Mas cada um puxa a corda por seu lado pela vitoria a qualquer custo. Pretendo ir a todos os clubes das Séries A e B.

Houve precipitação no lançamento do VAR no Brasil?
Quando cheguei à CBF o VAR estava aprovado pelos clubes e tivemos um treinamento pequeno em relação aos ingleses, que trabalharam nisso por dois anos e investiram pesado na preparação. Aqui estamos tomando providências, vendo as necessidades que estão surgindo e procuro ter auto-critica. O trabalho offline dos ingleses foi muito importante.

É possível retomar esse treinamento por aqui?
Temos projeto para uma cabine offline na qual os árbitros poderão praticar, na véspera de um jogo eles poderão treinar. A verdade é que temos 14 rodadas de experiência, sendo que nem todos os Estados puderam testar o árbitro de vídeo em seus campeonatos, e os que tinham VAR registraram média em torno dos seis minutos de paralisação.

Por que a ida frequente dos árbitros brasileiros à cabine localizada à beira do campo, ao contrário dos ingleses?
A ferramenta é nova e a segurança virá com o tempo. Os vídeos que tenho das primeiras rodadas do Brasileiro mostram ações infinitamente inferiores em relação à 14ª, embora esses dois jogos do domingo tenham sido realmente muito demorados nas tomadas de decisão. E não tem que ter muito debate (entre o árbitro e o pessoal do VAR).

Qual a situação que exige a ida à cabine?
Quando o arbitro erra e o VAR o está corrigindo. Mas são oito erros capitais em 139 jogos. Estamos conversando sobre o que mais irrita, e é o tempo. Temos que agilizar isso, como é muito novo, ainda não há segurança dentro da cabine. Trabalhei (quando comentarista de arbitragem na TV) como "árbitro de vídeo" por oito anos e sei que esse é um processo evolutivo, mas já está na hora de melhorar.

Onde você vê o problema real do VAR no Brasil? Critério, insegurança ou falta de capacitação?
Não vejo falta de critério, nem de treinamento, mas falta de prática. Isso virá com o tempo, não adianta, e é importante a gente dizer. Talvez ainda estejamos com a primeira rodada da Inglaterra na cabeça, vamos esperar mais duas a três, quando outros trabalharão, haverá a rotatividade. Porque todos os países, sem exceção, tiveram problemas com o VAR, inclusive a Inglaterra nas Copas. É um processo natural de evolução. Em breve estaremos em um estágio bom. No final do ano seremos o país com mais jogos sob o auxílio do VAR e eu mesmo terei melhores condições de observar mais jogos com o uso do vídeo.

O que já mudou?
Erros de arbitragem, no ano passado, ainda eram assunto em todos os debates esportivos. Hoje eles praticamente estancaram, isso não é mais motivo de debate. O tempo, a demora é o que está causando mais transtorno. Tecnicamente falando, é um ganho espetacular para a arbitragem brasileira e para o futebol brasileiro.

Mas a demora continua grande…
Ninguém tem dúvida de que sem o VAR se erra muito, pelo contrário. Vejo o campeonato bem mais justo, as queixas são mais pelo tempo mesmo, isso não é minha opinião, mas um consenso público geral. Eu seria um cara sem auto-critica se não admitisse a questão da demora, do tempo.

E o protocolo da Fifa, ainda gera dúvidas e polêmica?
Há casos em que seguimos o protocolo e as pessoas o questionam. Mas temos que seguir o protocolo. Se acontece uma falta no início da jogada, vamos voltar e anular o gol.

Realmente ele causa du1vidas e polêmicas. Na cobrança de pênalti, por exemplo, se há invasão o VAR só pode chamar o árbitro se o atleta invasor tirar proveito disso, no rebote da batida, por exemplo, certo?
Isso. Essa é a filosofia da mínima interferência. Se no pênalti o jogador dá um passinho dentro da área e não tira vantagem disso, o VAR não chama.

Logo na primeira rodada a Premier League mostrou, simultaneamente à análise do VAR, as imagens que estavam sendo utilizadas pela arbitragem. Quando teremos isso no Brasil?
Na segunda-feira que vem darei uma entrevista coletiva na CBF e anunciaremos alguns movimentos que faremos, entre eles esse. Estou pedindo autorização à Fifa para mostrar as imagens de avaliação do VAR, trabalhando para que isso seja viabilizado.

Inclusive as imagens com uso do software que aponta com maior precisão se o jogador está impedido, ou não?
Sim, quando isso for decisivo, será mostrado.

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.