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Mauro Cezar Pereira

O tamanho do desafio desta Copa América para a Argentina

Mauro Cezar Pereira

15/06/2019 12h07

Divulgação

Por Joza Novalis*

O Grupo B, da Argentina é o mais difícil da Copa América. A Colômbia segue a ser um rival duríssimo. Seu jogo ganhou consistência sob o comando do português Carlos Queiroz, que dá sinais de estar preocupadíssimo em aprimorar o sistema defensivo. Ideia é a de trancar tudo lá atrás e explorar a criatividade de seus habilidosos jogadores de meio-campo. Outra vantagem é a qualidade do elenco até mesmo no banco de reservas, além do fato de que alguns de seus jogadores jovens vivem seus melhores momentos na carreira.

Neste sentido, destaques para Gustavo Cuéllar e Mateus Uribe. No papel, temos uma variedade de esquemas que vão do 4-3-3 ao 4-4-2 e até ao 4-2-2-2. Objetivo é o de deixar todas essas propostas apontadinhas para que uma delas dê conta de um rival e que uma outra faça frente a um rival diferente. Contudo na prática, o que temos é um comprometimento absurdo dos jogadores com as duas fases do jogo? Defesa e ataque.

O Paraguai tem boa seleção e o trabalho, ainda saindo do forno, de Toto Berizzo. O que vemos é um cuidado maior com as transições ofensivas, que estão cada vez mais rápidas. E há jogadores em alta, fator que também torna a seleção guarani um osso duro de roer. Problema do Paraguai é a constante troca de comando. Berizzo substitui Osório, que substituiu Chiqui Arce, que por sua vez substituiu o argentino Ramón Diaz. Tudo isso em três anos.

Há algo de estranho que tem afetado todos os últimos técnicos. Ainda assim, o Paraguai é uma seleção que pode aprontar a qualquer momento e para cima de qualquer um. Esses dois rivais vão complicar muito a vida da Argentina. Enquanto o Brasil só tem galinha morta no seu grupo, que é o mais fácil dos três, a Argentina tem o grupo mais difícil

Além disso, a Argentina é aquela seleção da qual se espera qualquer coisa, em geral, decepção. Scaloni praticamente "manda" agora na equipe. Ele tem boas ideias, mas suas convocações mostram que ainda é refém do que há de pior no futebol argentino.

Pensemos. Matías Suárez fez toda a carreira no Anderlecht. Quando clube e jogador entenderam que já estava na hora de ele sair, ele voltou para o único clube que o desejava, o Belgrano, justo aquele que o revelara para o futebol. Não foi o caso de jogador que tinha proposta e quis retornar para o clube do coração, longe disso. Ele não conseguiu transitar para gigantes da Europa (e justiça seja feita, teve um início avassalador no clube belga).

Então, no Belgrano, fez um belíssimo gol, numa partida. Efeito disso foi que Gallardo entendeu que para algumas situações seria interessante tê-lo no River. Como o campeã da Libertadores não tem contratado ultimamente, fizeram uma propaganda absurda sobre as qualidades deste jogador. Aliás, bom dizer, foi reserva no Millo mesmo em situações nas quais alguns titulares estavam lesionados.

Sim, no River tem jogado algo, não muito, mas algo, e sobretudo porque entra na equipe apenas para receber a bola na entrada da área. Foi o que bastou para que Scaloni o levasse à seleção. Pera lá, e o Icardi? Mas, em verdade, por que Suárez foi chamado? Porque é do River.

E Boca e River precisam ter alguém na seleção. Chamaram o Armani e o Andrada, que foi cortado por lesão. Grandes goleiros, mas se um deles não fosse de Boca ou River, não iria à Copa América. O Marchesín está no grupo. Hoje, é o melhor goleiro argentino em atividade.

Única razão para o técnico colocá-lo de titular é a preocupação de não ficar mal com uma das duas maiores comunidades futebolísticas do país. Quer mais? Se Armani estivesse no Atlético Nacional seria bem provável que não estivesse na Albiceleste. Jogava o fino da bola no clube colombiano, mas só chegou à seleção após se transferir para o River.

Por certo que temos nomes interessantes nesta atual Argentina. Mas o que Dí María está fazendo no grupo, após a temporada que teve e o desgaste que já vivia na seleção? "Ah, mas o Higuaín não está". Não está porque não quis, porque resolveu se aposentar da Albiceleste.

Rejeição a Messi

Mas o que esperar da Argentina? Tudo bem que tem Messi, mas para alguns, é parte dos problemas da seleção. Absurdo. Não fosse por ele, sequer a equipe chegaria à final de Copa América ou Mundial. E na boa, Messi não estava nos pés "indecentes" de Higuaín naquela bola decisiva da Copa do Mundo do Brasil. Mas de fato há dois problemas que envolvem a presença de Messi: sua personalidade e a sombra de Maradona.

Sobre a personalidade, deixemos de lado aquela bobagem de que ele escala a seleção e só coloca para jogar os seus amigos. Nem sempre os seus amigos estão no time titular. Um dos principais é Banega, que não é um titular absoluto e que sequer foi chamado por Scaloni para a Copa América.

É que Messi entende muito de futebol. Sabe absolutamente tudo o que pode dar certo ou errado em alguma tática adotada. Porém, o seu respeito ao comando o impede de dar pitaco, caso não seja chamado para tal. E em geral, todos os últimos técnicos que passaram pela seleção expressaram certo complexo de inferioridade em relação ao craque do Barcelona. Isto é o que algumas pessoas dizem na Argentina e é bem possível que seja verdade.

Também dizem que nos vestiários os técnicos orientam vários jogadores, mas se sentem em desconforto para solicitar que Messi ocupe certo espaço do campo, por exemplo. Então, estamos diante de alguém que impõe respeito mesmo sem falar nada? Possível que sim. Uma autoridade silenciosa capaz de fazer até Neymar se comportar como um garoto que tem muito a aprender.

E se há algo que aparentemente tira Messi do sério é a incapacidade dos técnicos de tê-lo só como mais um jogador, e sem falar com ele nos vestiários, e a compensação desta falha na constante referência à sua genialidade, nas entrevistas coletivas. Também na Argentina dizem que foi isto que o levou a ter problemas com Sampaoli.

Messi sofre rejeição na Argentina? Sim e não. A cada dia ela se reduz de forma assustadora e vai se hospedando quase apenas nas "viúvas de Maradona". Para essas pessoas, que em geral, são seres de muita idade, Maradona não ganhou apenas uma Copa do Mundo, ganhou uma guerra. Toda a humilhação que o país sofreu na Guerra das Malvinas foi devidamente compensada pela humilhação que Dom Diego aplicou sobre os ingleses.

Até o mau-caratismo é comemorado, embora nem todos que o fazem possuem caráter duvidoso. O gol de mão de Maradona traduz, em campo de jogo, um mau-caratismo que os ingleses cometeram, aos olhos dos argentinos da época, sobre a sua nação, no campo de batalha. A ilegalidade que permeia aquele gol encontra vingança ressonante na ilegalidade britânica de sua posse das Ilhas Malvinas.

Se a Argentina fez feio na guerra, no campo de jogo, Dom Diego fez o gol mais bonito da história das Copas. Se não bastasse isso, tem mais: Maradona era um gênio problemático e seus problemas e imperfeições traduziam sobretudo as imperfeições de uma nação e de muitos dos argentinos comuns. "Nós somos geniais, mesmo que imperfeitos e isto bastou para vencermos uma guerra contra uma potência mundial: eis a mais pura tradução de Diego Armando Maradona para alguns. Para essas pessoas mesmo que Messi ganhe uma Copa, nunca será Maradona, pois não terá ganhado também uma guerra.

O absurdo é tão grande que certa vez, um pai de aluno, em Neuquém, foi à escola pública de seu filho reclamar com a professora de história. Ela estava ensinando sobre a Guerra das Malvinas, mas não citara a guerra vencida por Maradona. Tudo isto, por certo, fotografa o que é para Messi a sombra de Maradona. Mas a rejeição já não acontece como antes.

Para as gerações mais jovens Messi já é o maior jogador da história do futebol argentino. Quando algo acontece com o craque do Barça, a solidariedade e carinho se fazem demonstradas das províncias do Sul à "República de Salta", local setentrional que se considera diferente no contexto argentino.

Palavra rejeição a Messi, para essas pessoas, não tem sentido e chega a ser estranha. E para elas, um título da Copa América, oferecida por Messi, seria um presente muito relevante. Isto pode acontecer no Brasil, mesmo local onde o craque do Barça levou sua seleção ao vice-campeonato mundial, maior colocação da Argentina, após o caneco de 1986.

* o maior conhecedor de futebol latino-americano na imprensa brasileira

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.