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Mauro Cezar Pereira

De volta à Série A após 12 anos, Fortaleza luta para manter Ceni e não cair

Mauro Cezar Pereira

26/04/2019 04h00

Marcelo Paz está na presidência do Fortaleza desde o final de 2017

Em 2017 o Fortaleza finalmente saiu da Série C. Foram oito anos consecutivos na terceira divisão brasileira. Neste fim de semana, após 12 temporadas o time reencontrará a chamada elite nacional encarando, como campeão da B, o vencedor da A em 2018, o Palmeiras. A arrancada do Leão acontece com Marcelo Paz na presidência do tricolor cearense, que era o vice assumiu em novembro de 2018 com a renúncia de Luís Eduardo Girão, sendo eleito para três ano de mandato em 2018. Ele conversou com o blog.

Qual era a realidade financeira e estrutural do Fortaleza quando na Série C?
A realidade financeira do Fortaleza na Série C era de um clube sem cotas de televisão, que vivia exclusivamente de bilheteria, o que muitas vezes nem sempre era positiva; do sócio-torcedor, que na época chegou a aproximadamente oito mil inscritos, e de doações de conselheiros e de pessoas mais abastadas. Tinha algumas dívidas que não conseguia pagar. Devido ao insucesso no futebol, por muitos anos o clube parou o seu calendário em setembro, ou começo de outubro, e isso sempre foi muito traumático.

E a estrutura?
Estruturalmente só tinha um campo para treinar, sem as condições ideais. Não usava o CT de Maracanaú, além de não ter hotel para a concentração dos jogadores. Não tinha o hábito de ter todas as refeições após os treinos, isto é, acabavam as atividades e os jogadores iam para casa. Isso ainda acontece em muitos times. Mas sempre brigou forte na Série C, conquistando inclusive alguns estaduais, mesmo com o adversário em condições financeiras melhores. Sempre foi grande pela torcida, mas em condições financeiras e estruturais bem abaixo do que tem hoje.

O que mudou desde então?
O jogador, ao chegar hoje no clube, encontra tudo organizado; ambiente bom, funcionários felizes, material para treinar, uma boa estrutura, academia, logística de viagem, que é algo fundamental investirmos, além da alimentação e a parte financeira rigorosamente em dia.

Quais eram a receita e a dívida na época e hoje?
As receitas eram bilheteria, sócio torcedor e doação. O que tinha de cota de televisão era apenas pelo campeonato estadual e não era tão significativo. Foram oito anos de competição nacional sem cota de TV, zero. A partir de 2016 começamos a ter a receita com a marca própria, passando a vender camisa. Mas o salto grande foi em 2018, na nossa gestão, com a criação de oito lojas, dando um impacto financeiro.

E os processos na justiça?
Tinham dívidas trabalhistas, que nunca foram tão grandes, pois o Fortaleza é um clube de poucas dívidas nesse sentido. Hoje deve girar em torno de 2 milhões apenas. O Profut está em dia, e foi regularizado ainda na série C, pelas gestões anteriores. Portanto, não há dívida previdenciária ou fiscal. Algumas pequenas dívidas civis foram regularizadas também.
E hoje temos a receita do sócio torcedor, que subiu para 28 mil sócios; cotas de televisão, cotas de passagens de fase de competições como a Copa do Nordeste e Copa do Brasil, que já entramos nas oitavas. Receita com licenciamento de produtos e com a venda de camisas incrementou bastante também. Hoje é outra realidade financeira.

O estádio do Pici está sendo transformado em CT, como estão viabilizando?
Hoje estamos transformando o Pici, que é a nossa sede, em um espaço de centro de excelência. Demos vida ao CT Ribamar Bezerra, em Maracanaú, qualificando os campos, os refeitórios, a academia nova que já chegou. Qualificamos um hotel de concentração, investimos na alimentação dos jogadores, contratando chefes de cozinha, nutricionista esportivo. Qualificamos a equipe de profissionais, como analistas de desempenho, investindo muito na logística de viagem, para dar um descanso maior aos jogadores. E as obrigações financeiras todas em dia, tanto salários, quanto premiações.

Por que o clube bateu na trave seguidas vezes até sair da terceira divisão?
Existe uma explicação lógica para essa pergunta, que deixa de ser tão lógica por se tratar de futebol. O Fortaleza, nesses oito anos de Série C, em três ou quatro oportunidades classificou em primeiro, fez a melhor campanha, pegou o último colocado da outra chave e acabou eliminado. Havia uma pressão psicológica muito grande para sair da Série C. Era um pesadelo para o nosso torcedor. E por quatro vezes, se não me engano, fomos eliminados em casa, sem ganhar o jogo.
Para ter uma ideia, a gente só venceu uma partida em casa, pelo mata-mata da Série C, em 2017, que foi o ano que subimos. Exista sim uma pressão psicológica. Como a gente classificava em primeiro, fazia o jogo de ida fora e decidia em casa, e aí a pressão era absurda. Conseguimos subir quando classificamos em terceiro e realizamos o primeiro jogo em casa. Fizemos o resultado de 2 a 0 contra o Tupi e fomos decidir em Juiz de Fora. Foi um período muito difícil, no qual eu participei como dirigente, no cargo de diretor de futebol em 2015 e 2016, e além de diretor, como vice-presidente também, em 2017, quando veio o acesso.

Houve profissionalização de departamentos, como isso se processou?
Os departamentos começaram a ser profissionalizados à medida que começaram a ser contratados executivos. Alguém de finanças, para a área financeira, e marketing para o próprio departamento. Também internalizamos o programa de sócio torcedor. Ou seja, as coisas começaram a serem técnicas e deixamos de viver de favor, de abnegar situações para nos profissionalizarmos, remunerando profissionais com conhecimento de mercado, com expertise, para entregar resultado.

O que mudou na em setores estratégicos do departamento de futebol, ações sociais e de marketing?
O marketing, quando assumimos, tinha como diretor do departamento alguém muito competente, conceituado no nosso mercado, com uma agência muito boa. Mas nós tiramos essa agência do clube e fizemos uma equipe dedicada full time. Hoje, temos doze pessoas no nosso marketing, fazendo TV, captando patrocínio, ativando patrocinador, trabalhando com rede social, relacionamento, recreação, eventos. E todos são remunerados, sem qualquer tipo de favor, como tem que ser uma empresa que precisa do marketing, trabalhar a imagem perante o público.

Os diretores são remunerados, quais as áreas e como essa profissionalização se processou?
Hoje, todos os diretores são remunerados, em todas as áreas. Temos dezesseis pessoas que antes não eram remuneradas e hoje são, sendo treze diretores, o presidente e dois vice-presidentes. Todos com funções definidas, com habilidade na área na qual trabalham no clube.
O diretor jurídico é um bom advogado, o de marketing é um ótimo publicitário, o de patrimônio é um engenheiro, e assim vai. E dentro de cada diretoria vão se formando as equipes, com os profissionais abaixo, como gerentes e executivos. Este foi um processo que levamos para o Conselho Deliberativo do clube, no final de 2018. O estatuto já permitia isso, mas nunca tinha sido utilizado. Na realidade, era o contrário, já que os dirigentes colocavam o dinheiro na equipe. Foi uma mudança de cultura, uma quebra de paradigma, foi aprovada dentro do orçamento para 2019, com aprovação total dos conselheiros.

Salários e prêmios estão em dia? Se sim, desde quando?
Salários e prêmios rigorosamente em dia. Pelo menos, desde maio de 2017, quando o presidente Luis Eduardo Girão assumiu, quitou os salários atrasados que tinha, e a partir daí, o Fortaleza paga tudo em dia. Eu assumi em novembro de 2017, e com recursos próprios, mantivemos essa política.

Qual a meta realista do Fortaleza na primeira divisão nacional?
Nossa meta realista na Série A, em 2019, é permanecer para 2020. Esse é o nosso objetivo, o nosso foco. Permanecendo, o trabalho será considerado um sucesso. Do 16º lugar para cima será considerado sucesso. É o que buscaremos, porque com a permanência, garantiremos mais um ciclo, de pelo menos um ano, com novas receitas, com um dinheiro que vai estruturar cada vez mais o clube, para poder sonhar com coisas maiores a nível nacional.

Como ser competitivo na Série A com receita bem menor do que a maioria dos adversários?
Acho que a maneira de ser competitivo é manter um trabalho, ter uma linha técnica com um comando técnico definido, como estamos fazendo com o Rogério. Formamos um elenco para o ano inteiro. Claro que iremos fazer algumas reposições, mas a base do elenco foi contratada no começo do ano. Não trouxemos jogador para ficar quatro meses, como teste. Então apostamos no entrosamento, na linha de trabalho sequenciado, no planejamento da comissão técnica. Apostamos também no fator casa, com o estádio cheio, com a torcida empurrando, para fazermos a pontuação necessária.

Como surgiu a ideia de convidar Rogério Ceni para comandar o time e foi o processo de convencimento?
Após o acesso para a série B, de 2017 para 2018, o nosso treinador era o Antonio Carlos Zago, que saiu e foi para o Juventude terminar a série B lá. Ficamos sem treinador. O Ceni viria fazer uma palestra em Fortaleza. Como ele é muito amigo do Bosco, que foi o seu reserva por muito tempo no São Paulo, disse que gostaria de encontrar o amigo para jantar, bater um papo. De forma muito inteligente, o Bosco nos avisou e intermediou este primeiro encontro.
O Rogério aceitou, e depois ficamos uma semana conversando por telefone, falando de projetos, tentando alinhar expectativas. E eu notava que a cada dia a conversa evoluía, ele tinha um pouco mais de informação do clube, até que eu propus ir a São Paulo encontrá-lo pessoalmente. Ele prontamente atendeu e nos reunimos na casa dele, onde ficamos ali por cinco horas. A partir desta ocasião saiu o acordo.

Teme perdê-lo para outro clube?
Pretendo que o Rogério fique aqui o máximo de tempo que ele puder ficar. Acredito muito na permanência dele até o final do contrato, e eu gostaria muito que nos meus três anos de mandato, que vai até o fim de 2021, ele permanecesse aqui. Se ele vai sair ou não, é outra consequência, escolhas pessoais, e é natural que pelo bom trabalho que ele tem feito, surja interesse de outras equipes.

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.