Uma infração fez prefeitura autuar 31 vezes o Fla, que diz ter recebido 8
É óbvio que um Centro de Treinamentos deve ter toda a documentação. É evidente que se ele sofre autuações, havia/há algo errado. Também parece claro que o Flamengo demora a se comunicar e quando o faz, não vai bem. No sábado, o recém-chegado CEO, Reinaldo Belotti, fez pronunciamento, quando alguém do clube deveria dar uma entrevista. De preferência com a presença de integrantes da administração anterior, que tocou e inaugurou a obra.
Bastou a prefeitura do Rio de Janeiro revelar que o clube sofrera 31 autuações para que virasse manchete. Mas quais foram as razões de tais penalidades? Elas tinham alguma relação com o incêndio? Se não, quais eram? Graves ou coisas pequenas, detalhes. Nada disso estava claro quando, na sexta-feira, surgiu a nota da gestão Marcelo Crivella.
Questionado, o município alega que primeiro houve autuação devido ao funcionamento do Centro de Treinamentos sem alvará. Que foi decretada a interdição do local e o descumprimento do edital que determinava o fechamento do local motivou mais 30 autos de infração. O Flamengo diz não ter recebido todas as notificações das penalidades Abaixo, as questões enviadas a prefeitura e o que sua assessoria retornou.
Como uma obra de tal magnitude se desenvolve por anos, com pessoas trabalhando lá, não apenas na construção, sem alvará?
Desde o dia 7 de janeiro de 2011 o Flamengo tem licença de construção para executar obras no CT.
Quais os motivos, específicos, pelos quais foram aplicadas as 31 autuações? Alguma delas se refere especificamente ao local do incêndio e/ou ao fato em si? Do que se tratam essas infrações, afinal?
O primeiro auto de infração foi lavrado em função do funcionamento do estabelecimento sem alvará, o que gerou um edital de interdição. Os demais autos foram lavrados por descumprimento a esse edital.
Neste caso não há outra ação que deveria ser tomada, para que o CT fosse fechado, como determinava a Secretaria Municipal de Fazenda?
Os fiscais de atividades econômicas têm apenas o poder de polícia administrativa.
Em nenhum pedido anterior, já que o local tem atividade há anos, houve solicitação para instalação de alojamento ali?
Não. No projeto aprovado em 2011, parte desta área está destinada a depósito/lavanderia/limpeza e administração/serviços e parte estacionamento. No projeto apresentado e aprovado em 2018, a área está descrita como estacionamento descoberto.
Fontes do clube dizem que esse projeto (do estacionamento no local) se refere ao que seria destinada a área a partir dos próximos dias, quando estariam removendo os contêineres. Em pedidos anteriores qual era a destinação do local?
No projeto aprovado em 2011, parte desta área está destinada a depósito/lavanderia/limpeza e administração/serviços e parte estacionamento. No projeto apresentado e aprovado em 2018, a área está descrita como estacionamento descoberto.
E de antigos pedidos, há registro?
Nunca houve o pedido para que esta área recebesse alojamentos.
A prefeitura, que enviou dois documentos comprovando autuações (abaixo) acrescentou: "Sobre a instalação de contêineres na área do incêndio ocorrido no CT Ninho do Urubu, a área de Urbanismo da Prefeitura informa que isso foi feito sem conhecimento e autorização dos órgãos municipais de fiscalização.De acordo com o Regulamento de Licenciamento e Fiscalização do Decreto 3.800 de 1970, toda construção tem que ser licenciada. Os contêineres são edificações e portanto precisam de autorização para serem instalados, ainda que esta instalação seja temporária. A localização da estrutura deve constar no projeto assinado pelo técnico (arquiteto ou engenheiro) responsável pela obra.
Mandei nova pergunta:
Partindo do raciocínio segundo o qual o funcionamento sem alvará é irregular, por que a administração municipal concedeu o documento ("Certidão anual de Regularidade") em anexo ao clube? (veja abaixo). E reforcei:
Em quais datas o Flamengo recebeu as autuações?
Foi notificado em todas?
Há relação entre o local do incêndio, o alojamento, e pelo menos uma das autuações?
A prefeitura respondeu:
"Os fiscais de atividades econômicas foram ao local no dia 20/10/17, identificaram o funcionamento sem alvará e lavraram o auto de infração, o que gerou um edital de interdição que foi afixado no local.
Por estar em funcionamento sem o devido alvará foram lavrados 31 autos de infração.
Desse total, o Flamengo pagou 10 multas e deixou de pagar 21 multas.
O primeiro auto de infração foi emitido em 20/10/2017
O último auto de infração foi emitido em 14 de dezembro de 2018.
O primeiro auto foi lavrado em função do funcionamento sem alvará.
Os demais autos foram em função do descumprimento do edital de interdição.
Os fiscais de atividades econômicas têm apenas o poder de polícia administrativa".
Insisti:
O Flamengo foi notificado em todas as autuações?
Há relação entre o local do incêndio, o alojamento, e pelo menos uma das autuações?Partindo do raciocínio segundo o qual o funcionamento sem alvará é irregular, por que a administração municipal concedeu o documento ("Certidão anual de Regularidade") ao clube?
E acrescentei:
Se "os fiscais de atividades econômicas têm apenas o poder de polícia administrativa", o que faz a prefeitura quando sua determinação é ignorada? Qual instituição deve tomar alguma medida e quem tem a missão de acioná-la? Por que o CT seguiu funcionando sem alvará?
Questionei o Flamengo sobre o fato de a prefeitura assegurar que o local jamais foi alvo de solicitação para instalação de alojamentos. E se receberam todas as penalidades emitidas pela administração municipal. O clube respondeu que "as autuações não tem nada com o incêndio". Questionei se todas as 31 citadas pela prefeitura chegaram ao Flamengo. A resposta: "Não, só oito, sete por falta de alvará e uma por que tinha um letreiro ali na porta e eles fizeram uma autuação. O total das autuações não chega a R$ 10 mil (valor das multas somadas)". E que "o pedido de alvará era para o CT, como um todo".
Difícil entender o funcionamento do CT sem tal documento por tanto tempo. E o que explica o município autuar um clube tantas vezes e, depois disso, em 11 de maio de 2018, exatos 203 dias depois do primeiro auto de infração, emitir a (acima) "Certidão anual de Regularidade", por intermédio do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente? É um dos documentos que permite ao Flamengo sustentar o "Certificado de Clube Formador", da CBF.
Provavelmente apenas após o trabalho dos peritos e uma rigorosa investigação saberemos o que levou ao incêndio (ao que parece um curto-circuito no ar-condicionado). Quem falhou? O que deveria ter sido feito para que não acontecesse? Faltaram itens de segurança? Saídas de emergência? Isso foi exigido? A chave da questão não reside em documentos ou no fato de as instalações serem contêineres. Se quisermos encontrar os responsáveis, os culpados, o caminho será outro, além da burocracia.
E dar atenção aos sobreviventes e familiares dos mortos não livra o Flamengo do dever de se comunicar, dar explicações, enfrentar os questionamentos dos repórteres. Dois pronunciamentos quase 48 depois do trágico acontecimento, sem que os jornalistas pudessem fazer uma pergunta sequer, não bastam. É preciso falar, não só aos dezenas de milhões de rubro-negros, mas para toda a sociedade. E em respeito a todos os garotos do Ninho. Vivos ou mortos.
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