Incêndio e morte no CT do Flamengo, a imprensa e a perigosa pressa
O incêndio que ceifou vidas no Centro de Treinamento do Flamengo comove, entristece, revolta. Meninos de 14, 15 anos sonhavam com a bola, o campo, o futuro, o futebol. Virou pesadelo. Mortos dormindo, em pleno adolescência. Difícil entender, impossível aceitar um fato desses.
Não demoram a surgir informações precipitadas, conclusões açodadas… Registrei em minha conta no Twitter e repito aqui o que me parece absolutamente prioritário: 1) apoio às vítimas e familiares, solidariedade; 2) apuração das causas, se há responsabilidades ou foi uma fatalidade.
Além de buscar informações responsavelmente, precisamos refletir sobre o nosso trabalho. Qual a atenção dada pela imprensa às divisões de base e aos atletas de clubes menores, sem (muito) dinheiro? Quantas matérias produzimos mostrando em que condições eles vivem?
Em 2017 publiquei no site da ESPN texto sob o seguinte título: "Estádio da Ilha recebeu quase 117 mil pessoas em 2016 após obra sem alvará, diz prefeitura do Rio". O campo da Portuguesa havia sido utilizado pelo Botafogo, que ali montou arquibancadas, no ano anterior.
Houve repercussão em alguns veículos, mas o tema não avançou. Obviamente se uma tragédia tivesse ocorrido, o fato de faltar documentação seria amplamente explorado. Como na ocasião o clube alvinegro já deixara o local, então sendo assumido pelo Flamengo, o assunto desapareceu.
Além de relegado ao esquecimento, não fizemos (e aí me refiro à imprensa, da qual faço parte, no todo) matérias sobre a situação dos estádios e CTs espalhados pelo país. Eles têm documentação? Laudos? São seguros? Talvez todos sejam, talvez não. Fato é que, salvo ações isoladas, não vamos atrás.
Agora aparecem, jornalistas ou não, os julgadores de última hora, desferindo sentenças, apontando culpados. Evidentemente pode ter ocorrido negligência, responsabilidades poderão ser detectadas, comprovadas. Mas obviamente ainda não houve tempo para isso.
Há pouco mais de dois meses o CT do Flamengo teve inauguradas instalações novinhas, um investimento de R$ 23 milhões. Se mesmo assim ali existia um módulo antigo e prestes a ser desativado, mas que pega fogo e pessoas morrem lá dentro, o que existirá por aí?
A resposta pode ser dada por meio de reportagens que investiguem tais condições. É possível que sejam feitas, mas não apostaria nisso. Na maioria das vezes corremos atrás depois da tragédia, dedicando tempo e espaço demasiados a coisas tolas, absolutamente superficiais.
"Spotlight", em 2016, ganhou Oscars, entre eles o de melhor filme. Na história, verídica, repórteres desvendam um enorme escândalo de pedofilia envolvendo a Igreja Católica. Spotlight é o nome da brilhante equipe de reportagens investigativas do jornal americano Boston Globe.
O filme empolgou a nós, jornalistas. De minha parte, saí do cinema com um puta orgulho da profissão. Mas quantas redações ele motivou a investir na reportagem? A imprensa não é culpada por essas tragédias, mas pode fazer melhor, até evitar eventos trágicos denunciando o perigo, as irregularidades.
Às famílias das vítimas, todo apoio, solidariedade. Aos responsáveis pelo incêndio, caso tenha sido causado por negligência, irresponsabilidade e/ou falha humana, punição. E à chamada grande imprensa um pedido: mais jornalismo e menos abobrinhas, como stories de boleiros em redes sociais!
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