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Mauro Cezar Pereira

Morte no CT: Advogada pedirá indiciamento de presidentes do Flamengo e CBF

Mauro Cezar Pereira

07/02/2020 04h00

Rykelmo: o pai fez acordo, mas a mãe do rapaz que atuava como volante não. Ela entrou na justiça

O incêndio no Centro de Treinamentos do Flamengo, o Ninho do Urubu, matou dez adolescentes das divisões de base. A tragédia vai completar um ano neste sábado, 8 de fevereiro. A advogada Gislaine Nunes representa a mãe do volante Rykelmo, e concedeu a entrevista a seguir ao blog, que nesta semana publica posts com a palavra de personagens envolvidos.

Leia mais: Familiares e feridos tentam seguir a vida um ano após incêndio no Ninho do Urubu

Quem você representa no caso Flamengo/Ninho do Urubu?

Represento a mãe do atleta Rykelmo, a senhora Rosana.

Por que algumas famílias fizeram o acordo e outras ainda não?

Não sei te responder a pergunta, nós não fizemos o acordo pela mediocridade do valor proposto pelo Flamengo.

Acho um tanto absurdo falar em "jurisprudência", afinal, não se tem notícia de caso parecidos (adolescentes mortos em incêndio dentro de CT de clube). Mas na área jurídica funciona assim, casos anteriores nos quais pessoas perderam a vida em acidentes etc são utilizados como referência, certo?

Fui a única advogada a ingressar com ação, e não utilizei jurisprudências, até mesmo pela ausência de casos parecidos. Utilizamos jurisprudências para requerer e fundamentar outros pedidos dentro do processo.

Diante desse cenário, o que o Flamengo oferece é igual, maior ou menor do que valores normalmente pagos pelas empresas e instituições onde ocorreram tragédias que geraram perda de vidas?

Não tenho este parâmetro.

O que a mãe de Rykelmo pede é quantas vezes mais do que aquilo que o clube oferece?

Substancialmente maior, visto que, o valor ofertado por eles foi muito baixo.

O que o Flamengo fez e faz pelos familiares desde então, de ajuda financeira a apoio psicológico, deslocamento dos familiares até o Rio de Janeiro etc.? Houve algo que reivindicaram e não atenderam?

Flamengo não fez absolutamente nada para a família que represento.

Além do dinheiro da indenização, o que mais está sendo reivindicado?

Apenas o valor monetário.

A advogada Gislaine Nunes – Foto: Divulgação

Como você e a família acompanham a investigação que pode apontar os responsáveis (pessoas) pelo incêndio?

Temos no escritório notícias do desdobramento, até porque é desnecessário hoje este acompanhamento, visto que, já fundamentamos nosso processo.

Qual a importância de se chegar aos responsáveis? E de serem punidos?

Acredito que os responsáveis já temos, incorreram os mandatários do clube no trágico resultado quando permitiram que, se alojassem os menores naqueles containers, frise-se em um local que não havia licença para uso exceto para estacionamento. Minha esperança é que o juiz acate o pedido de indiciamento formulado em nosso processo em relação ao então presidente do clube e do mandatário do CBF.

"Ao então presidente do clube", refere-se ao atual, Rodolfo Landim, ou seu antecessor, Eduardo Bandeira de Mello?

Landim. Independente do mandato de quem seja, o clube responde pelos atos de seus prepostos de forma objetiva.

O fato de o CT ter sido construído e inaugurado no mandato de outro presidente pesa? De que forma?

Quanto à delimitação do mandato, para efeitos de responsabilidade civil, na esfera criminal, cada presidente, no mandato que lhe incumbe, responderá por seus atos, até o limite destes.
Na exordial (petição inicial), não há nome de quem, mas pedido de indiciamento do presidente do clube e da CBF. Então, quando optamos por não colocar o nome especifico do presidente A ou B, estávamos pautados, como estamos, na teoria da responsabilidade civil objetiva, que, segundo ela, independe da comprovação de dolo ou culpa e que pouco importa quem estava no mandato. Este último terá efeitos na esfera criminal quando se aceita a denuncia e o indiciamento à pessoa responde na medida dos seus atos por tudo aquilo que se praticou. Então a gente divide estas esferas, porque quando eu falo presidente é obvio que é quem estava no mandato, e aí na esfera criminal caberá à policia fazer o indiciamento. Não nos cabe delimitações de atos.

Bandeira de Melo já foi indiciado pela polícia, certo?

Sim.

E quanto à CBF?

O que estou pedindo é que a entidade responda solidariamente, o presidente que está lá.

Em sua opinião, por que se fala tanto no dinheiro (obviamente fundamental) das indenizações e não se comenta tanto sobre a investigação, por que não se clama por justiça?

Acredito que as famílias esperam por ambos os resultados, mas te pergunto: além de contratar advogados e requererem o acima respondido na questão, o que mais poderiam fazer estas famílias destruídas?

Em entrevistas e aparições públicas, mais pessoas poderiam clamar por justiça, reivindicar que o processo seja concluído, não?

Essas aparições ajudam. Certa vez um juiz me disse: 'Doutora, deixe que os clubes falem o quiser em entrevistas, não se ofenda, saiba que juiz lê jornal e assiste a noticiários, e isso ajuda a formar nossa convicção". A despeito disso, os processos são morosos pela própria estrutura do poder judiciário e grande demanda.

Não teme que o caso se arraste na justiça por anos e ao final seja determinando por ela o pagamento de um valor até menor do que o oferecido pelo clube?

Corremos este risco, mas somos otimistas.

Qual o percentual que a família pagará por seus honorários ao final do processo?

O determinado na tabela da Ordem dos Advogados o Brasil.

Dona Rosana, em entrevista ao canal Band Sports, disse que o Flamengo não está pagando mensalmente a ela, que recebeu dois meses e depois não mais. Em seguida, o recibo anexado a essa mensagem surgiu em redes sociais. Afinal, o Flamengo a está pagando? Quanto? Qual a situação?

Segundo a Rosana eles estão pagando R$ 5 mil por mês, o valor determinado é de R$ 10 mil, mas como erroneamente, no nosso ponto de vista, fizeram acordo com o pai do Rykelmo, depositam a ele metade do valor, afinal acreditam ter cessado a responsabilidade em relação à metade da obrigação indenizatória.

O clube fez esse acordo com o pai de Rykelmo. Como vê essa situação?

Lamentável o Flamengo ver esta situação como uma herança e não como indenização. Estamos chamando o pai do menor na lide (ação), para que faça a devolução dos valores recebidos no acordo, e declare nulo o mesmo. Quem tinha a guarda do menor era a Rosana, e não o pai, que segundo ela nunca procurou saber da vida deles, bem como nunca colaborou financeiramente. Óbvio que este acordo realizado com o pai do menor por sua própria natureza não tem efeito para elidir nosso pedido.

O que achou dessas explicações dadas pelos dirigentes no vídeo levado ao ar sábado pelas redes sociais e canal do Flamengo no YouTube? Disseram que não podem procurar os familiares sem, antes, falar com os advogados. Dirigentes do clube a procuraram alguma vez pedindo autorização para conversar com os familiares, conforta-los?

Nunca procuraram exceto nas audiências de tentativa de conciliação que ocorreram logo após o incêndio. Lamentável assistir a entrevista. Se diz: "Hoje têm o alvará". Estamos esperando um efetivo reparo do dano, que o Flamengo concorreu ao resultado. Era previsível a tragédia. Risível a entrevista, para dizer pouco. Falam, falam e nada falam. Demitiram os sobreviventes. Estão procurando famílias? Onde? Tem nomes das famílias? Claro que não. Foram judicialmente compelidos a efetuar os depósitos, porque até então não havia uma ação voluntária em relação a isso.
O que estão fazendo não interessa ao caso, a não ser para ratificar que antes nada existia, apenas um container com espuma altamente inflamável. Estão com receio das matérias que serão exibidas no aniversário da tragédia, por isso a entrevista que nada ajuda. A imprensa é a grande coadjuvante das famílias em busca de justiça. Por que não se manifestaram antes? Fazer homenagem com capela? Meu Deus, inacreditável! Aprendi mais uma termologia: meia-família. Absurdo, risível, inacreditável, repugnante. Nunca procurei o Flamengo. Vez ou outra converso com meu grande amigo Kleber Leite (ex-presidente do Flamengo), e ele não é da diretoria. Mas na audiência de conciliação não havia conciliação e sim imposição de valores e quem não aceitava: "Até logo, passar bem". Premissa falsa? Nunca procuraram a mãe do Rykelmo, exceto na ocasião das conciliações. Essa entrevista preparada e veiculada pela própria TV da entidade, para mim, não tem valor nenhum.

***

O blog procurou o ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello, que não respondeu às mensagens enviadas. Procurado, o Flamengo também não se manifestou até a publicação deste post. Já a CBF respondeu: "Embora não seja parte, a CBF tem colaborado com as autoridades fornecendo as informações solicitadas. O Certificado de Clube Formador é um documento privado, de natureza estritamente desportiva, que atesta as qualidades técnicas e esportivas das práticas empregadas pelos clubes na formação de atletas e intitula seu detentor a pleitear a indenização por formação estabelecida na legislação e normas nacionais. Entretanto, a CBF não confere à entidade beneficiária o direito de utilização ou funcionamento de seus centros esportivos e locais de treinamento/alojamento, cuja autorização é de competência exclusiva do poder público".

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.