Depois do "perder é normal", pagar salário atrasado também é?
Na entrevista coletiva de (re)apresentação como técnico do Vasco, para onde voltou após 19 anos, Abel Braga revelou trecho de sua conversa com Alexandre Campello. Nela, contou, o presidente do clube fez uma espécie de alerta sobre a forma como irá remunerar o novo treinador vascaíno. "Ele me disse: 'vou te pagar, mas não pensa que irei pagar em dia"'.
O tom elogioso ao dirigente por ter sido, digamos, sincero, é estarrecedor. Abel tem o direito de trabalhar até de graça pelo Vasco, mas não há nada de positivo nesse tipo de postura. Se o clube não consegue pagar em dia o profissional, por que o contrata? Alguém dirá que isso é problema dos dois. Não é. Quando o comandante aceita tal situação, fica pior para os que também receberem com atraso e não estão dispostos a tolerar isso.
Como reclamar se o chefe acha que, por ter antecipado que não pagará em dia, o presidente do clube merece ser elogiado, mesmo sem cumprir o básico do acordo patrão-empregado? E a situação dos funcionários e atletas que ganham pouco, caso dos jogadores em início de carreira? Se quem escala o time, comanda, acha que tudo bem, obviamente ficará desconfortável para quem é menor nessa escala, esteja insatisfeito, ou não.
Em julho, Thiago Neves minimizou a falta de pontualidade do Cruzeiro na remuneração de seus profissionais. "Os salários estão atrasados, mas qual clube não atrasa?". Mais um caso no qual o profissional fala por ele, talvez por ter alcançado posição financeira confortável, que lhe permite receber o dinheiro muito depois sem sofrer as consequências do não cumprimento do compromisso pelo empregador. Evidentemente nem todo o jogador de futebol pode se dar a esse luxo, para muitos, o problema é enorme.
Esse tipo de reação mostra que o futebol brasileiro segue amarrado às velhas práticas, com raros clubes admitindo suas crises econômicas, cortando custos e se adequando à realidade do momento. Muitos querem certos atletas e treinadores, mesmo custando aquilo que não podem pagar. Pior ainda quando alguns se submetem a isso como se fosse algo aceitável. Desse jeito, como imaginar tais agremiações saindo do buraco financeiro?
No começo do Campeonato Brasileiro deste ano, Abel ainda dirigia o Flamengo e chocou a torcida ao dizer que perder para o Internacional no Beira-Rio e para o Atlético no Horto é "normal". Detalhe, o time mineiro atuou com menos um jogador por metade da partida. Pelo menos desta vez não o ouvimos dizer que pagar salários com atraso é normal, embora seja em muitos clubes brasileiros. É, se dissesse, faria até mais sentido.
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