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Mauro Cezar Pereira

Gallardo e River Plate, a construção de um técnico e de uma equipe

Mauro Cezar Pereira

23/11/2019 03h01

Marcelo Gallardo na sua apresentação como técnico do River, em 2014

Por Joza Novalis*

Em 2014, Marcelo Gallardo chegou ao River Plate. Tratava-se de um técnico com muita personalidade, mas visivelmente dominado pela tensão, que saltava aos olhos. Ser um grande treinador é dominar monstros dentro da própria cabeça. Ele se mostrava disposto a fazê-lo, mas a visível tensão era resultado de seu entendimento de que essa luta nunca seria das mais fáceis. Ocorre que a educação e o fortalecimento desses monstros se operam no nível de desajustes presentes no ambiente.

E o cenário do River era simplesmente devastador. O clube sofria com técnicos. Pouco tempo antes, Matías Almeyda conseguira dinamitar o cenário em que nenhum "professor" dava certo. Mas o efeito foi cruel para Almeyda e ele mesmo pediu para sair, tempos depois, após ter trazido o Millo de volta à elite argentina. Gustavo Zapata esquentou o banco para a chegada do Ramón Díaz, que até conquistou algo, mas sem agradar aos dirigentes, à torcida e até a ele mesmo.

O relativo sucesso de Almeyda mostrou à direção do River que a fórmula estaria em buscar um ex-ídolo recente e colocá-lo no comando do banco de reservas. Gallardo sabia onde estava se metendo e as cobranças que teria. Daí que desde o início deixou claro que só assumiria se fosse atendido nos seus pedidos de reforços.

Exigiu mais: que os dirigentes jamais teriam quaisquer influências sobre os seus jogadores, sob o risco de ele abandonar o barco e ir cuidar de sua vida. Aposta severa por certo, mas o Muñeco era inteligente e sabia ler bem os anseios ocultos que circulavam nos espaços do clube e nas emoções de seus dirigentes.

Atento à sua própria tensão, Gallardo trazia ao novo clube a percepção de que não passar sua tensão aos jogadores era um desafio a encarar. Nem sempre foi bem sucedido na empreitada, mas logo no início de seu trabalho em Bajo Belgrano entendeu que o correto não era eliminar a tensão que ele passava aos seus comandados, mas transformá-la em intensidade. Ela só ocorreria no plano físico se ela fosse construída, antes disso, no cérebro. A gênese de um grande técnico estava em processo. E de uma grande equipe.

Gallardo voltou ao River em 2014 e em 2015 ganhou sua primeira Libertadores como técnico

E agora, o que fazer?

Quando chegou ao novo clube, Gallardo não tinha claramente uma ideia de como fazer a equipe jogar. Prova disso é que pedia aos dirigentes a contratação de todo bom enganche que aparecia no futebol argentino. De início, ele pensava que dispor de um homem cerebral no meio-campo (um Riquelme) seria a solução. Então, vários reforços chegaram para essa função mas, no fim das contas, nenhum deles agradou.

Dos que ficaram, e que estiveram mais ativamente naquele River campeão da Libertadores de 2015, foram apenas dois, Pisculichi e Pity Martínez, sendo que este foi o único que sobreviveria por longa data da aposta feita nos enganches refinados. E se Pity permaneceu, tampouco foi por ser um enganche, mas por ter ganhado com Gallardo um maior dinamismo e a característica de homem de lado de campo, um extremo sem tanta velocidade, que na maior parte do tempo entrava em diagonal para reforçar a artilharia ao arco rival a partir da entrada da área.

Prova de que Gallardo ainda estava meio perdido observava-se na adoção de inúmeros esquemas de jogo, algo que nem sempre é propriamente uma qualidade dos bons técnicos, mas, em vários casos, um flagra acerca de como ele pode estar perdido em fazer suas equipes lidarem com problemas nos jogos contra adversários de ponta. Ainda em 2014, o esquema principal era o 4-3-1-2, que solidificava a defesa, apesar de contar apenas com um volante de marcação, que era Ponzio ou Kranevitter.

Como enganche, Pisculichi era livre apenas para refinar o trato já qualificado que a pelota recebia no setor defensivo e criar jogadas para os dois laterais ou meias abertos que subiam ao ataque. Presente desde então, e que faz parte do River atual, estava a disposição de asfixiar o rival na pressão alta e recuperar a bola numa zona muito próxima da conclusão para o gol. Esta eficiência havia resultado no título da Sul-Americana, ainda no final de 2014. Tudo parecia bem para para todos, exceto para Gallardo. Ele percebia o esgotamento da proposta e a necessidade de processar modificações.

Esta é uma de suas diferenças como técnico, enquanto muitos veem o lado bom da equipe, e aplaudem o que está dando certo, ele procura, no que está dando certo, aquilo que pode não ser tão bom assim e que poderá levar as coisas a darem errado. Um dos problemas identificados por Muñeco não estava no excesso de responsabilidade sobre Pisculichi para a criação das jogadas, mas sim na presença do enganche. Ocorre que uma equipe madura não pode ser refém de um jogador.

E com efeito, muitas vezes Pisculichi não rendia e obrigava o técnico a encontrar saídas emergenciais para solucionar o problema. Além disso, o titular não tinha no banco de reservas alguém que mantivesse a mesma qualidade, caso ele não estivesse presente. A solução encontrada por Gallardo foi a de ampliar a responsabilidade da criação para outros jogadores, em especial os laterais, que precisavam ser bem mais construtores.

A fórmula, contudo, colocaria a equipe num momento de instabilidade em meio à necessidade incessante de ser competitiva. E para resolver este problema, Gallardo apostou em um "doble 5", que ampliaria o sistema defensivo ao menos até que sua equipe ganhasse construção de jogo por atores diferentes. Após os três primeiros jogos com a presença do "doble 5", ele percebeu também que talvez não bastasse dispor apenas de um maior número de jogadores construtores, mas que, além disso, a própria criação de jogadas precisava ocorrer no maior número possível de locais, dentro da cancha.

A nova formação demorou a engrenar, mas se mostrou com certo grau de calibre nos 3 a 0 contra o Cruzeiro, no Mineirão. Em campo, estiveram Barovero, Mercado, Maidana, Ramiro Funes Mori e Vangioni; "Pato" Sánchez, Kranevitter, Ponzio e Ariel Rojas; Rodrigo Mora e Teo Gutiérrez. Vale lembrar que Alário ainda não estava na equipe; chegaria depois para dividir com Mora e até com Teo um lugar no ataque, na fase final da Libertadores de 2015.

O desenho mostrava o novo esquema principal, o 4-4-2, sendo que Kranevitter muitas vezes se colava à primeira linha. Quando esta partida aconteceu, Gallardo já estava há um ano no River; não havia desistido da ideia de ter um homem cerebral centralizado; porém não somente só o experimentava em raros momentos como também apenas o fazia em jogos que não fossem complicados. A questão é que ele não desiste de uma proposta tão fácil até que uma nova se mostre completamente merecedora de sua legitimidade.

Após a vitória no Mineirão, qualquer um consagraria o 4-4-2 como a solução definitiva já encontrada, exceto Gallardo, que se mostrava interessado em explorar outros esquemas e possibilidades. Na cabeça de um técnico, digamos, "normal" a ideia é a de aprimorar aquilo que já se mostrou eficiente de forma a ampliar o ganho de estabilidade do seu time. Na cabeça de Gallardo, naquele momento, a preocupação era outra, a de vislumbrar os momentos em que sua equipe viveria situações de instabilidade e de que maneira conseguiria se safar de todas elas.

Gallardo com o presidente Rodolfo D'Onofrio

Como já observado, não havia só um esquema. No entanto, independente das formações que iam a campo, invariavelmente havia um povoamento na faixa central, com jogadores dinâmicos, que marcavam de forma feroz e que processavam uma recomposição ofensiva eficiente. Calibrar essa recomposição, assim como trabalhar a criação de jogadas e o dinamismo de seus jogadores, nos treinos, passaram a ser, já substituindo o desejo de ter um enganche clássico, a grande preocupação de Gallardo.

Vimos um 4-2-2-2 em jogos como contra o Banfield, pelo campeonato argentino de 2015, e um 3-4-1-2, em casa contra o San José, pela Libertadores. Ou seja, em jogos teoricamente mais fáceis, ele colocava um enganche, que não raro era Pisculichi; além disso, contra o San José, Gonzalo Martínez apareceu como meia aberto pela esquerda já como um ensaio do ótimo extremo que se tornaria mais tarde.

O River neste jogo foi muito ousado, mas isto só ocorreu porque o duelo foi em casa e contra um rival mais tranquilo. Porém, a multiplicidade de esquemas se mostrou presente sobretudo no 4-2-3-2, contra o Guaraní, em casa; e na repetição do esquema, então apoiado nos 2×0 do Monumental, em Assunção, contra o mesmo rival.

A preocupação de Gallardo em encenar a instabilidade não cessava em sua cabeça. O rival das oitavas-de-final seria o Boca Juniors. Enquanto o River obtivera o menor número de pontos dentre os 16 classificados da fase de grupos, o grande rival havia gabaritado, com suas seis vitórias, melhor ataque e melhor defesa da competição. Antes do confronto das oitavas, as duas equipes teriam um duelo pelo campeonato argentino, típico jogo para o qual se manda formações reservas já que o foco naturalmente está todo direcionado ao confronto principal. Porém, Gallardo resolveu usar esta partida para pregar uma peça na então melhor equipe daquela Libertadores.

Ele levou a campo um 4-1-2-1-2, com Kranevitter protegendo a zaga e Sebastián Driussi como homem centralizado no meio-campo. Não era por Driussi ser necessariamente um enganche, aquilo era uma espécie de blefe. Julgava o Muñeco que o Boca presumiria Sebá Driussi percorrendo por dentro, e, como este era bem veloz e tinha a habilidade de conduzir e driblar em velocidade, poderia causar danos.

O blefe era porque Driussi não estava em campo para fazer isso, mas para despistar e permitir a ocupação do lado do campo sobretudo por Sánchez, já que Mora, de um lado, e Teo Gutiérrez, do outro, tendiam a ocupar a área. O Millo perdeu por 2×0 e motivou o seu técnico a ser "conservador" no embate pela ida da Libertadores. Adotou o 4-4-2, com com Driussi aberto pela esquerda e Sánchez, Ponzio e Kranevitter atentos na marcação.

O River quebrou a invencibilidade do Boca levando a fatura em casa por 1 a 0. Mas a grande vitória foi outra. Nem mesmo em todas os triunfos que levaram a equipe ao título da Sul-Americana o elenco teve tão profunda convicção de que seu técnico sabia o que estava fazendo e que valia a pena apostar de forma inconteste na sua capacidade de solucionar problemas. Ou seja, não é de agora que o elenco do River tem toda a confiança em Gallardo, mas desde meados de 2015. Após o triunfo da ida, os entendedores julgaram que o 4-4-2 se repetiria na Bombonera, na partida de volta.

Todavia, Gallardo levou a campo uma linha de 5 no meio, com Pity Martínez aberto na direita e Sebá Driussi, na esquerda. Só que a priori eles não estavam em campo para ser atacantes necessariamente, mas meio-campistas. Isto não era um problema para Martínez, que só então vinha sendo preparado para ser um ponta. Mas Sebá Driussi, que era um jogador de inteligência tática e associativa na região central, era sobretudo um extremo ambidestro de muita velocidade que quando colocado aberto se transformava em um típico ponta.

Porém, Driussi foi para o jogo para compor a linha de cinco e com a função primordial de evitar as subidas de Pavón e Gino Peruzzi. Esse era o trabalho a ser executado; se bem feito fosse, situações oportunas apareceriam tanto para Driussi quanto para Pity Martínez se tornarem atacantes e ocasionar perigo à meta de Augustín Orión. O River venceu por 3 a 0, tendo apenas 33% de posse de bola e com somente três finalizações ao gol. Líder de finalizações na Libertadores, até então, o Boca finalizou somente duas vezes, mas sem sucesso algum. Um River sólido e eficiente seguiria e chegaria ao título da Libertadores, 19 anos após sua segunda conquista, em 1996.

Em 2019 Marcelo Gallardo fez mais uma reformulação em parte do elenco

O Aprendizado de 2016

O ano de 2016 foi o da transição em que nem tudo deu certo, inclusive o pós-eliminação precoce da Libertadores, nas oitavas-de-final, para o Independiente del Valle. Mas Gallardo não seria o grande técnico dos dias atuais, sem os insucessos daquele ano. O River perdeu Sánchez e Funes Mori, mas o verdadeiro abalo sísmico foi a saída de Kranevitter, o que impossibilitou a continuidade do 4-4-2.

Não havia ninguém no elenco que reproduzisse com Ponzio a qualidade do "doble 5" do ano anterior. Nacho Fernández foi colocado no setor, mas não respondeu satisfatoriamente; ele havia chegado recentemente ao clube e não estava pronto. Se um dia Gallardo escrever suas memórias, certamente assumirá que errou ao apostar nas individualidades como solução para o problema da equipe.

Foi dentro disso que o River importou D'Alessandro para atuar centralizado. O treinador já havia descartado a ideia de ter um enganche, mas sucumbiu diante das dificuldades e entendeu que naquele momento um jogador consagrado executaria bem essa função. Foi um erro.

Após os insucessos de 2016, Gallardo se deu conta que o foco do seu trabalho deveria consistir em forjar uma equipe forte e resistente à perda de jogadores ou do bom rendimento de alguns deles. Mas a ideia não era logicamente a de contar com jogadores medianos, mas a de só dispor de atletas de alto nível e com forte comprometimento coletivo.

Se por um lado os reforços são importantes por ampliarem a qualidade do elenco; por outro lado, o comprometimento deles à proposta só ocorre de verdade com o entendimento do processo. A vantagem em desenvolver a qualidade dos bons jogadores presentes está no fato de que eles já possuem o comprometimento e a fé inabalável na condução do seu treinador.

E desenvolver futebolistas, para Gallardo, não significa fazê-los chutar melhor, isto é óbvio e elementar. Para uma equipe sólida, o bom jogador é aquele que sabe executar funções diferentes e com boa qualidade. Esse trabalho passaria a acontecer no dia-a-dia, mas também seria aplicado nas divisões de base, de tal forma que sempre que Gallardo desejasse pinçar um garoto da cantera este já saberia como se comportar minimamente no elenco principal.

Diferentemente de 2014, quando chegou ao clube, e pedia muitos reforços, Gallardo até prefere que eles não cheguem em grande número. No melhor momento financeiro da história do River, o clube pode se dá ao luxo de buscar apenas reforços pontuais, como Matías Suárez, que foi contratado somente porque Gallardo percebeu que não tinha no elenco nenhum jogador com um bom pivô na entrada da área. Por outro lado, o clube passou a investir muitos milhões no aprimoramento do trabalho na base, inclusive com a busca de reforços de várias idades.

Para desenvolver funções diferentes nos seus atletas, Gallardo possui uma equipe de profissionais que atende às suas ideias e comando. Nos dias atuais, se fala muito nas transformações de Nacho Fernández, mas beira o inacreditável o que aconteceu com Nico de la Cruz, um garoto uruguaio de muito potencial, mas que tinha dificuldades para pensar, quando corria. De la Cruz, muito provavelmente, deixará Quintero no banco, na final.

Outro caso de sucesso é o de Exequiel Palácios, garoto da base, cujo potencial começou a ser trabalhado ainda em 2016. Dificilmente seguirá no River, mas Cristian Ferrera e Santiago Sosa estão sendo preparados para ocupar sua vaga. Caso interessante é o de Jorge Carrascal, tido como a nova promessa do futebol colombiano, mas que se mostra lento para tomar decisões. Gallardo identificou que isto é resultado de sua fragilidade mental, do que resultaram treinamentos específicos que submetem o garoto às situações de pressão. Eventualmente ele é escalado.

O zagueiro Roberto Rojas está sendo preparado para se tornar volante e o atacante Benjamín Rollheiser, de 19 anos, para ser também um meio-campista. Além disso, o garoto Elías López, ganha preparação para ocupar o lugar do lateral Montiel, qundo este deixar o River. No momento atual, o clube com o elenco mais valorizado das Américas tem 12 dos seus 30 jogadores feitos em casa. E isto acontece porque Gallardo freou a chegada de reforços e estendeu seu trabalho à base, de onde pinça perfis ao elenco principal.

O River Plate atual

A dificuldade de enfrentar o River passa muito pelo bom momento de inúmeros jogadores até mesmo do banco de reservas. Como dito antes, uma de suas armas é a capacidade de seus jogadores de executarem funções diferentes até mesmo dentro de uma partida. Isto torna o rival do Flamengo uma equipe bem difícil de ser estudada a priori, e de ser enfrentada, durante os 90 minutos. É comum durante os jogos que alguns técnicos peçam a seus atletas que troquem de posição de maneira a gerar surpresas e debilitar o encaixe da marcação adversária.

Se nem sempre os resultados são favoráveis isto ocorre porque a prática exige treinamento exaustivo, o que escancara muitos casos de incompetência de alguns técnicos de futebol. Não basta ter ideias de como fazer as coisas, se elas não são colocadas em prática nos treinos. No River, em geral, as coisas tendem a funcionar quando jogadores trocam de posição ou de função dentro de uma mesma partida. Mas nos treinos, até de lateral Nacho Fernández e Enzo Pérez já jogaram.

Quando o jogo do River acontece torna-se quase impossível derrotá-lo. Mas para os seus rivais, se está ganhando fica mais fácil entender o que acontece, como ele está jogando e construindo o resultado positivo. Difícil é modificar o cenário de derrota quase certa. Contudo, o grande perigo muitas vezes ocorre quando o River está perdendo. Pode ser bem natural para o Flamengo que caso esteja vencendo se acomode na forma como estiver processando a sua vitória. Se pensarmos de forma objetiva, trata-se de um comportamento natural de todas as equipes que estão à frente no marcador.

O problema é que o River sabe jogar quando está perdendo. A solidez do modelo e a convicção inabalável sobre sua validade dão aos jogadores a impressão de que podem reverter as coisas em um cenário no qual a derrota parece iminente. E quando o River muda, o rival nem sempre percebe ou, quando percebe, raramente o faz em tempo hábil. Esta qualidade também é resultado dos insucessos de 2016.

Emblemático para o River atual foi a derrota para o Independiente del Valle, nas oitavas-de-final da Libertadores em 2016. O confronto levou a campo o líder do grupo 1 contra o segundo colocado do grupo 5. Após a derrota por 2 a 0 no Equador, o River precisou reverter o placar no Monumental, mas ficou apenas no 1 a 0 e foi eliminado da competição. Do banco de reservas, Gallardo se assombrava com os acontecimentos em campo. Foram 34 finalizações ao arco, então defendido por Librado Azcona.

Estamos falando de uma finalização a cada três minutos. Diante de um tal massacre muitos técnicos diriam frases como: "fizemos a coisa certa", "a bola não entrou", "são coisas do futebol", "perder é normal" etc. Mas Gallardo não falou nada disso; aliás, ficou por mais de duas semanas sem falar quase nada. O impacto da derrota foi profundo e o fez perguntar como era possível uma equipe se mostrar tão superior a outra e mesmo assim sair derrotada.

Sua conclusão foi a de que o River não soube se comportar naquela partida porque não soube lidar com o cenário desfavorável de uma derrota iminente. Concluiu também duas coisas. A primeira delas é que os resultados positivos de 2015 geraram no seu elenco a impressão de que era uma equipe quase imbatível, o que representava uma perigosa fragilidade mental. A segunda, que os ensaios sobre a vivência da instabilidade por seus comandados precisavam se aprofundar. Uma grande equipe, para Gallardo, não é aquela que sabe dominar o seu rival, mas aquela que sabe reverter as coisas quando estiver sendo dominada por ele. E dentro de uma partida, o rival nem sempre é a equipe adversária, mas invariavelmente os acontecimentos do jogo.

O River atual se confunde amplamente com o seu treinador. Daí ser difícil pensar a evolução de um sem a evolução do outro. Nos bastidores do clube pessoas já testemunharam frases de Gallardo do tipo, "o nosso principal rival somos nós". Isto pode soar como menosprezo aos adversários, mas não é bem assim. O estudo dos rivais é algo constante, essencial e primário. Ideia disso passa pelos relatórios sobre o Grêmio, que começaram a ser confeccionados, após vitória dos brasileiros sobre o Lanús, na final da Libertadores de 2017.

Isso apenas porque o Grêmio em algum momento poderia ser o rival do River na Libertadores. Além disso, todas as equipes que chegaram às oitavas-de-final receberam um tratamento parecido. Até aí, tudo bem. Porém, espanta o fato de que Gallardo solicitou um estudo detalhado do modestíssimo Almagro, das divisões de acesso argentino e que encararia o River por vaga à semifinal da Copa Argentina. Desnecessário pontuarmos que também o Flamengo foi estudado e possivelmente com observadores nos seus jogos mais recentes.

Mas o foco principal desse River de Marcelo Gallardo está sempre pautado em "o que somos como equipe?". Ou seja, "quais são nossas virtudes e defeitos e o que são ambas?". Para o Muñeco a ideia de que "o nosso grande rival somos nós" implica a obrigação de não deixar de lado o que são as virtudes e defeitos da equipe. Decorre disso duas coisas interligadas: é necessário exaltar as virtudes, mas considerando-as tão perigosas quanto os próprios defeitos. Só quando um determinado time alcança este nível de preparo mental é que ele está preparado para lidar com quaisquer rivais, pois o principal, e primeiro, já terá sido superado: suas principais limitações.

Importa para a Libertadores de América que esta máquina chamada River Plate tenha um adversário à sua altura na grande final. Trata-se do confronto entre Brasil e Argentina, as duas maiores escolas de futebol da América Latina, e com seus dois melhores esquadrões. Possivelmente, quando criaram esta competição, em 1960, o objetivo era justamente esse, que as duas melhores escolas estivessem na final e com os seus dois melhores representantes. Que vença o melhor.

* especialista em futebol latino-americano

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.