Incêndio no CT do Fla: "jurisprudência" para indenizações gera divergências
por Fernando Arbex*
Presidente do Flamengo, Rodolfo Landim afirmou que o Flamengo ofereceu às famílias dos Garotos do Ninho valores que são o dobro da "jurisprudência". Termo jurídico é hoje usado como defesa por torcedores em redes sociais, para questionamentos sobre as indenizações propostas, mas interpretações de especialistas divergem se o emprego respeita rigor conceitual ou, mesmo em caso positivo, se decisões judiciais passadas são parâmetros adequados para a situação que o clube enfrenta.
A defensora pública Cintia Guedes, coordenadora Cível da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, afirma que não há um valor fixo, por isso os juízes arbitram diante de uma série de circunstâncias concretas, o famoso "cada caso é um caso". "Foram mortes de menores que estavam sob a guarda de um clube, por isso não tem como dizer qual é o valor. Não tem previsão legal nem é algo que aconteça todos os dias. Não existe uma jurisprudência para isso", garante.
No mesmo dia em que Landim deu coletiva de imprensa para se manifestar sobre o caso, em 24 de fevereiro, o advogado do Flamengo, Álvaro Piquet, respondeu pergunta sobre a qual jurisprudência o presidente do clube se referia. "Infelizmente, não é a primeira vez que uma tragédia como essa acontece. Há parâmetros similares. Existem diversos casos pelo Brasil de crianças que morreram dentro de clubes. Existe uma jurisprudência sobre o caso de um menino que morreu numa escolinha", afirmou.
A comparação, porém, é refutada por Cintia Guedes. "A lei determina critérios, entre eles o grau de culpa do causador do acidente. Não é que entrou uma pessoa nas instalações e acionou explosivos, tratavam-se de menores que moravam em um local sem autorização para funcionar. A capacidade econômica do causador do dano é outro aspecto", comentou.
O parecer da defensora acompanha entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "A quantificação do dano extra-patrimonial deve levar em consideração parâmetros como a capacidade econômica dos ofensores, as condições pessoais das vítimas e o caráter pedagógico e sancionatório da indenização (…)", diz acórdão da Terceira Turma da corte, publicado em junho de 2018.
Professor de Direito Civil na USP, Antonio Carlos Morato esclarece que a capacidade econômica do causador do dano não entra em questão na hora de avaliar a culpa do envolvido, porém, uma vez que o réu foi condenado, esse fator é levado em consideração. "Toda indenização de responsabilidade civil tem um sentido pedagógico, para alterar uma conduta", afirmou.
Morato também afirma que o termo "jurisprudência" deva ser usado com certa cautela. "Quando você tem uma decisão, ou pequenas decisões. Vamos dizer assim, decisões isoladas. Você usa o termo precedente ou precedentes.", opinou o Professor. Também docente de Direito Civil na USP, Eduardo Tomasevicius Filho não vê objeção ao uso desse termo jurídico por parte de Landim, mas pontua que a área cível não trabalha com tabela indenizatória.
"Diz-se balizamento e arbitramento, pois há total liberdade de o juiz decidir que o valor é R$ 100 mil ou R$ 2 milhões, a despeito de se usarem casos semelhantes como parâmetros", afirmou. Se houver disputa judicial, Tomasevicius acha difícil fazer um prognóstico por causa da peculiaridade do caso, mas discorda que um valor pago pelo Flamengo deva levar em consideração o potencial financeiro do clube: "A indenização se mede pela extensão do dano, independentemente da capacidade econômica".
A Câmara de Conciliação formada por Ministério Público do Rio de Janeiro, Defensoria e Ministério Público do Trabalho sugeriu o pagamento de R$ 2 milhões para cada uma das dez famílias e R$ 10 mil por mês até o aniversário de 45 anos de cada criança vitimada, valores rejeitados pelo Flamengo. Por o clube insistir em valores considerados inferiores e abandonar a negociação no dia 19 de fevereiro de 2019, o MPRJ e a Defensoria ajuizaram a ação cautelar que está pendente de julgamento.
Assim como o Flamengo, o MPRJ também afirma que pautou a proposta de indenização com base na jurisprudência, esta verificada no STJ a partir de outros casos. O órgão cita experiência com Programa de Indenização (PI) 447 feito com a Air France (relativo ao acidente com avião da companhia aérea no dia 31 de maio de 2009). Landim e o Departamento Jurídico do Flamengo, seis meses depois da tragédia, ainda não revelaram qual caso foi usado como régua para afirmar que o valor oferecido às famílias é o dobro da jurisprudência.
Procurado pela reportagem, o clube emitiu a seguinte resposta ao ser questionado sobre a qual jurisprudência se referiu o presidente Rodolfo Landim: "O Flamengo assinou contratos com cláusula de confidencialidade e não pode revelar valores. O valor que o Flamengo ofereceu para acordo, e que foi aceito por duas famílias e um pai individualmente, é muito justo, senão não.teria sido aceito. Ele teve como ideia base superar com vantagem tudo que já se teve notícia na Justiça brasileira, mas isso é o limite do que podemos falar".
* jornalista
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.