Linha alta de Jesus ou a linha baixa de Mano, Felipão e tantos outros?
Uma discussão de viés tático ganha corpo nas conversas de botequim sobre futebol: o posicionamento defensivo das equipes. Isso mostra que abordar temas táticos sobre o jogo pode ser atraente para o torcedor não tão interessado no assunto, especialmente se a abordagem não estiver carregada por verbetes do dialeto tatiquês. E uma das razões para tal debate fora dos ambientes futebolístico-acadêmicos é a postura defensiva do Flamengo de Jorge Jesus, contraponto ao que costumam adotar consagrados e vencedores técnicos brasileiros.
O português recém-chegado ao Rio de Janeiro posiciona os homens de sua defesa quando sem a posse de bola na chamada "linha alta", ou seja, o time adianta os homens de defesa, meio-campo e ataque com o objetivo de pressionar o rival que está com a pelota. Os espaços, com isso, devem ser reduzidos, de maneira que o jogador adversário não encontre opções para fazer o passe. O intuito, evidentemente, é recuperá-la o quanto antes e mais perto da meta inimiga. A estratégia exige intensidade e condição física.
O risco? Com o time posicionado no território do oponente para tomar-lhe a pelota, os defensores estarão próximos à linha divisória do gramado. Com isso, os espaços atrás dos zagueiros tornam-se generosos, obrigando, por exemplo, que em determinados momentos o goleiro atue com os pés, fora da área, quando o adversário consegue sair dessa pressão e rapidamente chegar à outra metade da cancha. Foi assim que na quarta-feira o Athletico Paranaense chegou ao tento de empate diante do Flamengo, no Maracanã.
Em contrapartida, atuando dessa maneira o mesmo time fez meia dúzia de gols no domingo diante do Goiás, que até então sofrera oito no mesmo número de partidas pelo Campeonato Brasileiro. O jogo de futebol funciona dentro da lógica do cobertor curto, ajustar os momentos em que é preciso proteger a cabeça ou os pés é o grande desafio. No entanto, posicionar os jogadores dessa maneira, como Jesus fez imediatamente após desembarcar no Galeão, é mais difícil, mais desafiador, exige mais trabalho e conhecimento.
Por isso, mesmo com bons jogadores e poder ofensivo no elenco, tantos treinadores brasileiros fazem o caminho inverso. Mano Menezes, no Cruzeiro, Luiz Felipe Scolari, no Palmeiras, Fábio Carille, no Corinthians, e até Tite, na seleção brasileira, em diferentes níveis costumam entrincheirar suas linhas de defesa e meio-campo diante da própria área, protegendo a meta e atraindo o adversário perigosamente para perto dela. Assim os cruzeirenses construíram, na ida, os 3 a 0 sobre o Atlético e perderam, na volta, por 2 a 0.
Jogasse o Flamengo fechadinho após a abertura do placar, teria sustentado o 1 a 0? Impossível afirmar. O Athletico provavelmente não faria o gol da maneira que fez, mas poderia chegar ao 1 a 1 na pressão, cruzando na área, como no tento assinalado em Curitiba, em cabeçada de Léo Pereira. Cruzeiro, Palmeiras e Bahia, que na noite de quarta atuaram protegendo a "casinha" por bom tempo, juntos levaram quatro gols. Fica claro que a linha baixa não assegura nada, pois nenhuma estratégia oferece tal garantia.
A chegada Jorge Jesus, como no começo do ano a do seu xará argentino, Sampaoli, ao Santos, traz diversidade à maneira de atuar dos times brasileiros. E isso é ótimo. Mas, convenhamos, quando um treinador dispõe de jogadores cheios de recursos, talentosos, ofensivos e com poder de decisão, não faz muito sentido posicioná-los de maneira prioritariamente defensiva. Atletas que criam e fazem gols devem habitar o setor mais próximo da área adversária, não na vizinhança de seu próprio goleiro.
Vai ficar cada vez mais interessante.
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