Topo

Mauro Cezar Pereira

Só a torcida pode salvar o clube mais endividado do Brasil, diz dirigente

Mauro Cezar Pereira

16/05/2019 19h46

O Botafogo tem a maior dívida do futebol brasileiro — clique aqui e leia o post com o ranking do endividamento dos clubes da Série A nacional. Como reduzir esse vermelho nos balanços alvinegros? O blog conversou com Luiz Felipe Novis, vice-presidente de finanças do clube, que afirma: "O torcedor presente seria fundamental para salvar o Botafogo"

Torcedores do Botafogo no Estádio Nilton Santos, o Engenhão: necessidade urgente de novas receitas

Como resume a situação do Botafogo após a publicação do balanço de 2018 em relação ao ano anterior? Melhor? Pior?

Em relação a 2017 tivemos resultado pior e já era esperado, 2018 foi muito difícil com perdas significativas de receitas. Nossa receita operacional líquida caiu em torno de 34% de 254 milhões para 167 milhões, principalmente em função de um rendimento ruim no futebol, com eliminação precoce da Copa do Brasil e saída da Sul-americana. Receitas em geral, não apenas bilheteria, ficaram abaixo do previsto. Isso implicou num aumento de 7/% da nossa dívida. Tivemos uma queda considerável entre 2014 e 2015 em função do Profut, depois estacionou e cresceu um pouco em 2017. Pegamos com 806.152 milhões no balanço de 2014. Ela havia aumentado 27% entre 2013 e 2014. Em 2015 caiu 12% e foi para 706 milhões, continuou caindo para 685 milhões em 2016, cresceu 3% para 664 milhões em 2017, e infelizmente com os resultados de 2018 subiu 7% chegando a cerca de 712 milhões.

A austeridade se perdeu?

Não houve um descontrole das despesas, seguimos tentando ser o mais austero possível em relação aos gastos, mas as receitas caíram e o clube não conseguiu dinheiro novo por meio da área comercial, então a financeira tentou equilibrar por meio de operações financeiras e isso está impactando em 2019. Nossa expectativa com a área comercial e o Ricardo Rothenberg é conseguir melhorar no segundo semestre. Em 2019 também tivemos a mudança na relação da com a TV Globo, desde janeiro não recebemos da televisão. Temos o contrato da TV aberta, a fechada e o PPV, até o ano passado havia um mínimo garantido que vinha ao longo do ano dividido por 12 meses. Nas negociações anteriores com a emissora tivemos que abrir mão dessa receita mínima, com isso a Globo não nos pagou desde janeiro, ela espera as vendas do Brasileiro se consolidarem para começar a pagar adiante, o que prejudicou nosso fluxo de caixa. Esse problema não atingiu apenas o Botafogo e a nossa expectativa é começar a receber alguma coisa a partir do final de maio.

Há receitas presas, a receber

Temos 3 milhões a receber da Caixa, que depende da renovação da CND(certidão negativa de débito). Uma última parcela que sairia em fevereiro e ainda não foi paga.

E a receita anual do clube hoje?

Só temos receitas operacionais, não temos receita financeira. A nossa, líquida, em 2018 foi de aproximadamente 167 milhões, caiu 34%, pois foi de 254 milhões em 2017. A bilheteria impacta muito no Botafogo porque os resultados não sendo os esperados isso mexe com a torcida. Em 2018 ainda escapamos do rebaixamento e obtivemos uma premiação, mas estamos tendo problemas em 2019, no Carioca, na Copa do Brasil, então a torcida não comparece na mesma escala, o que é natural, não vai aqui nenhuma dívida.

Luiz Felipe Novis, vice de finanças do Botafogo

Como reduzir esse endividamento?

Temos três tipos de dívidas principais, trabalhistas, fiscal (impostos) e as civis, o que conseguimos equacionar até o ato trabalhista, hoje pagamos cerca de R$ 1,7 milhão mensal que sai da quota da Globo, e na parte fiscal temos equacionado com o governo pelo parcelamento do Profut. Temos crédito superior a R$ 20 milhões com a receita e estamos pleiteando abater parcelas do Profut com esse dinheiro. Em 2014, numa situação crítica, havia um contrato de patrocínio a receber e o valor foi penhorado pela Receita na época e está lá preso, rendendo. Essa dívida de R$ 710 milhões precisaríamos de um capital de giro da ordem de 170 milhões. Como conseguir esse dinheiro? De uma forma geral qualquer investidor vai querer garantias, o que poderíamos dar com os contratos a receber no futuro, mas se não elevar as receitas não adiantará, estaremos apenas ganhando tempo. O clube precisa alavancar novas receitas. A distância entre os clubes está cada vez maior em termos de poder econômico. Essa nova distribuição das quotas da televisão referente ao campeonato brasileiro melhorou um pouco, mas não eliminou o problema. Existem ainda as possibilidades de levantar dinheiro por meio de um fundo, algo que exige um fluxo garantido para atrair os investidores. Estamos fazendo o possível, para dar uma ideia, se eu pagar todos os gastos do futebol essa nossa receia ainda permite sobrar 155 milhões, mas esse dinheiro paga todo o resto do clube e entre nosso passado, as dívidas, então chegamos a um balanço negativo.

Se a enorme dívida não existisse, o dinheiro que o Botafogo arrecada seria o bastante?

Se tivéssemos começando a funcionar agora teríamos um superávit operacional de 13 milhões. O que mata realmente é o passado, o que somente com uma injeção de capital de giro poderia começar a se resolver. Futebol ainda é um mercado muito predador entre os clubes, é preciso um entendimento maior, é preciso caminhar juntos para mudar esse cenário, além de manter administração que independam de política de clube. Hoje o Botafogo tem uma equipe extremamente séria, pessoas que estão se dedicando ao máximo ao clube e que procuram ter exatamente essa não da realidade de que temos de manter o clube vivo e quanto mais tempo passa as coisas tendem a piorar. Estão noticiando que chineses estão dispostos a comprar o CSA, o que pode ser uma saída. Você no futebol investe alto num jogador, ele se contunde, o técnico não dá certo, os riscos são muito grandes e nossa massa de manobra não existe, o Botafogo não pode errar, pois não há gordura para queimar caso algo dê errado. Exemplo: contratamos o Aguirre e o que se pagou obviamente foi muito mais do que alcançamos em resultado, não encaixou, por ene problemas.

Vender jogadores é fundamental para equilibrar as contas?

Claro que é fundamental e nesse ponto a questão do CT, uma ideia estratégica dos irmãos (Moreira Salles), pois o futuro é por aí, mas ainda está operacional, em obras, acredito que somente comece a funcionar no ano que vem, mas todos os clubes precisam negociar jogadores e o mercado exterior quer jovens. O São Paulo tem estimativa de vender 185 milhões, o Palmeira estimou algo próximo ano passado em janeiro. Então quando colocamos as metas em nosso orçamento são factíveis, o Botafogo tem que ativar isso, não pode ficar parado esperando e nisso temos que melhorar. Não podemos depender do contrato com a TV, precisamos de opções. Santos, Grêmio, Inter, Fluminense também fazem isso. Falta um pouco mais de contatos comerciais, flexibilidade para negociar… Vendemos muito pouco.

O Botafogo aparece no balanço devendo aos irmãos Moreira Salles, ao ex-presidente Carlos Augusto Montenegro e ao youtuber Felipe Neto. Os dois últimos já disseram que não há mais dívida do clube com eles, qual a situação com relação aos Moreira Salles e demais credores?

O clube tem uma dívida antiga, que não é de nossa gestão, que foi renegociada e estamos com parcelas em atraso, a outra dívida, em dia, são os pagamentos mensais do CT. Eles compraram o Centro de Treinamentos e fizeram uma alienação fiduciária, ou seja, compramos em condições vantajosas com parcelamento em 30 anos, porque os irmãos compraram e fizeram essa operação com o Botafogo comprando deles.

Um "Paulo Nobre", ex-presidente que, com seu dinheiro, capitalizou o então endividado Palmeiras, solucionaria a situação?

Sem dúvida, nosso problema não é a gestão profissional, temos excelente profissionais trabalhando em várias áreas no clube. Realmente as vice-presidências não são remuneradas, mas são pessoas com conhecimentos das áreas onde atuam. A questão nossa é o dinheiro e continuar com uma boa gestão. Estamos na expectativa do estudo que os irmãos deverão nos apresentar, qual será a proposta, pelo que sabemos não querem comprar o clube, mas tornar o Botafogo competitivo, mas querem a garantia de o que for colocado agora não irá desaparecer no caso de uma nova eleição, de vir um novo grupo. Isso é razoável.

Como seria esse modelo e como ele impactaria no Botafogo?

Seria mais voltado ao futebol, que é o nosso carro-chefe, existem várias opções e o trabalho que a consultoria está desenvolvendo é a apresentação de modelos que sejam viáveis. Mas o clube não pode parar no tempo, temos que seguir trabalhando independentemente do que vir a ser feito, buscando outras soluções. O impacto seria numa administração do futebol separada de política do clube, aí sim totalmente profissional, mas saneada, em contrapartida a expectativa de que as receitas iriam aumentar, ao mesmo tempo com uma injeção de capital que permitiria ao clube honrar seus compromissos com o restante do clube vivendo da receita dos sócios etc.

A dívida seria eliminada?

Parte delas está equacionada, são pagamentos mensais, as dívidas trabalhistas não cresceram depois de 2015, são essas receitas de que precisamos de imediato para que não paralisem o clube com penhoras.

Novis (D) com o presidente Nelson Mufarrej, do Botafogo: penhoras representam enorme obstáculo para o clube

Qual a situação do estádio dentro das finanças alvinegras?

Nilton Santos precisa ser melhor explorado, com a utilização de alguns espaços para outras coisas, até para a população local com áreas de lazer, precisamos desenvolver projetos nesse sentido, mas isso depende de investimentos iniciais e o Botafogo não tem essa condição. Hoje ficamos pagado dívidas e não há como executar outros tipos de projetos. Não pode ser uma fonte de despesas só para ele.

Hoje dá prejuízo?

Sim, mas o custo operacional é muito menor do que o Maracanã, algo entre 500 e 600 mil mensais para manter o estádio. Mas essa despesa nos dá a garantia de ter nosso local para os jogos. Em 2017 nossa receita de bilheteria foi espetacular, mas um jogo do carioca com 6 mil pessoas não paga o custo do jogo. Aí vai a questão do futebol, se vai mal, o estádio passa a ser deficitário.

Poderia ter mais jogos…

Poderia, o Vasco tem seu estádio, o Fluminense tem o acordo do Maracanã. Acho muito difícil equilibrar os custos de manutenção por lá. Se o estádio é nosso, temos que torná-lo equilibrado. O Botafogo tem procurado fazer isso. Estamos na expectativa de ter negócios que equilibrem pelo menos as despesas fixas do estádio. Hoje os clubes assumem todo o rico do negócio, e preciso conversar com as federações, com a CBF. Se tivemos média de 20 mil a 25 mil pessoas, ótimo, mas ainda não conseguimos isso, por mais que façamos promoções. O torcedor presente seria fundamental para salvar o Botafogo, e os outros clubes também.

Vasco, não joga no Maracanã..

Estamos de portas abertas a negociar para que joguem aqui. Estamos de braços abertos para ver como se pode ajudar.

Recorrer a empréstimos será necessário ao longo de 2019? Por que?

Sim, um deles já estava previsto e estamos fechando uma operação para acertar os salários de jogadores e funcionários, a partir de 5 de maio serão dois meses de atraso, para funcionários devemos março, jogadores também.

O cenário de caixa é desafiador a partir de 2019, com concentração de receitas no 2º semestre. Como o clube se preparara para isso e como está efetivamente lidando com esta situação na prática?

Mudança da TV teoricamente foi boa, mas na prática no momento ruim, por prejudicar o fluxo de caixa, pois não temos mais a garantia mínima.

 

follow us on Twitter

follow me on youtube

follow me on facebook

follow us on instagram

follow me on google plus

Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.