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Mauro Cezar Pereira

Fernando Diniz crê na recuperação de Ganso e vê futebol defasado no país

Mauro Cezar Pereira

16/02/2019 04h00

O técnico Fernando Diniz, que classificou o Fluminense para a decisão da Taça Guanabara, contra o Vasco

Foram seis segundos. Caio Henrique tomou a bola de Arrascaeta com um toque, ela seguiu na direção de Aírton que, também de primeira, acionou Yony González. O colombiano correu alguns metros com ela e cruzou para Luciano marcar o gol da vitória tricolor nos instantes finais do Fla-Flu. Tudo com um toque de cada jogador, veloz e eficiente.

"Não treinamos essa jogada especificamente, mas os estímulos são dados. Quando pressionamos para tomar a bola perto do gol adversário, é preciso definir tudo rapidamente", explica o arquiteto do time, do lance, do gol, o treinador Fernando Diniz, que chegou ao clube em janeiro.

O técnico do Fluminense conversou com o blog horas depois da grande vitória que levou o time à decisão da Taça Guanabara, domingo, contra o Vasco, jogando melhor e eliminando o caro time do Flamengo.

Como avalia o futebol praticado no Brasil?
Fernando Diniz – Aqui no Brasil está defasado o que temos praticado já há muito tempo. Cada um tem uma maneira de ver, gosto de apreciar o jogo e que os jogadores joguem bem, se divirtam. O futebol pelo qual me apaixonei quando criança é o que tento fazer, e está na essência do jogo, que é o jogador. É isso que me motiva a acordar para dar treinos.

Qual o peso de seus métodos de trabalho, treinamentos, aproximação, posse de bola, no gol da vitória sobre o Flamengo?
Tudo é estimulado, mas não igualzinho ao que aconteceu. Não somos um time que joga de contra-ataque, mas que faz pressão mais alta e sempre que rouba a bola perto do gol do rival tenta acelerar. Isso repercutiu no gol de ontem. Aquilo é difícil ensaiar, mas os estímulos são dados para que eles consigam acelerar quando pegar a defesa desorganizada.

Como dá confiança aos jogadores para executar esse tipo de jogo?
Tenho esse compromisso comigo e com os jogadores e temos que trabalhar muito. Não fico no padrão do que estão fazendo, nem aqui nem na Europa. Estive lá agora dando uma olhada. Vou citar o que considero de melhor, o Manchester City, só que no Brasil tenho que trabalhar mais, com um volume maior de treinamento, pois há coisas parecidas e diferentes. Faço isso porque gosto, acho melhor e é o mais simples para mim. Trabalho mais preocupado com a minha ideia do que com a dos outros. Grandes jogadores me fizeram gostar de futebol e acho que todos os profissionais já foram 'o melhor' em algum momento, na rua, na escola, na base… Em algum momento da vida deles. E se você resgata, isso terá mais confiança, mais coragem, recuperando a auto-estima do cara, gerando um efeito promissor. É preciso acreditar no trabalho e nos caras. Mas tem pressão, entrega de resultado, imprensa…

O que espera do seu time em 2019?
Que adquira com o passar dos treinamentos a ideia da coletividade. Quero trazer jogadores que melhorem a qualidade do time, mas nunca planejando em médio ou longos prazos, não faço isso, gosto de pensar que posso ter um time cada vez mais competitivo, harmonioso e com jogadores que gostam de viver juntos e trabalhar coletivamente. O Fluminense passa por momento de dificuldade financeira e política, precisa de ajuda e estou feliz por estar num clube com o qual tenho identificação. Eu e o Fluminense nos encontramos num bom momento para os dois, estou fazendo o máximo para ajudar.

Diniz que tirou os laterais para agredir o Fla: deu certo

Por que acredita que recuperará Ganso?
Falei para ele desde o começo. Essa história começou em 2016, nos 4 a 1 do Audax sobre o São Paulo. Eu lhe disse que queria ter o prazer de ser o treinador dele um dia. No ano passado, num jogo do Athletico, conheci o empresário do Ganso, e ele me disse que o jogador lembrava do que falei, que ficou contente. E agora soube que ele gostaria de jogar conosco, no Fluminense. Foi o primeiro passo, acredito que as qualidades dele potencializam muito dentro do que desenvolvemos no futebol. Tivemos um bom entendimento. Estou confiante de que vai dar certo.

Como ele vai se aproveitado?
Onde jogara taticamente? Vamos encontrar um lugar, ele é inteligente, mas recebeu alguns rótulos com os quais acho que não combinam. Ele assimila tudo muito rápido e vai se encontrar.

Paulo Henrique Ganso foi cobrado para que entrasse mais na área, como se fosse do estilo do Zico. Xavi foi espetacular e não entrava na área…
Ele não tem obrigatoriedade de entrar na área, e tem mais de Xavi do que de Zico. E tem mais genialidade do que tinha o Xavi, pode fazer coisas que Xavi não fazia. Falo do potencial. Se conseguirmos ajuda-lo a botar pra fora esse potencial… Ele tem genialidade, é um jogador incomum. O futebol ficou mais físico e às vezes não comporta as qualidades que tem. Uma equação que não é das mais fáceis, mas se jogar bem será bom para todos nós, principalmente para o futebol. Ele faz coisas que nos estimulam a gostar de futebol, e o Brasil perdeu jogadores com essa característica. É um talento diferente.

Por que não deu certo na Europa?
Para mim as pessoas, quando analisam o futebol, têm um deslocamento, como se separassem o jogo da pessoa. Tática é subproduto do principal, que é a pessoa. Na minha opinião Ganso foi mal compreendido. Ele joga de um jeito diferente do futebol jogador hoje, e é um cara mais discreto, não chama atenção de nada além do que faz no campo. Se for mais bem assessorado e compreendido, em suas angústias e anseios, vai produzir mais, penso assim
para ele e para todo mundo. O futebol é um meio massacrante.

Como vê a questão resultado x jogo em campo?
Olhar somente para o resultado do jogo e uma das mazelas do nosso futebol. Resultado tem uma aleatoriedade do jogo incontrolável. Na Copa achavam que a Rússia foi bem e a Espanha um fracasso. Fez um gol e se defendeu, foi melhor? A Espanha insistiu numa ideia, mas perdeu muito antes de ganhar. Xavi disse certa vez: 'Se Casillas não defende a bola do Robben, a Espanha seria amarelona etc'. Ficamos no 'se ganhar de qualquer jeito, está bom'. Isso empobreceu nossa capacidade de jogar futebol, temos bons jogadores, ainda. O país é muito grande e tem muita gente jogando, principalmente nas camadas sociais menos favorecida. Jogador brota, mas no desenvolvimento precisamos ter um olhar mais crítico.

Quais suas lições de 2018?
Foi um ano de aprendizado muito rico. Sou um cara muito afortunado, pois desistir não é uma opção, então temos que seguir, mesmo com os tombos que se leva. O Athletico teve fatores que fizeram a queda acontecer. O clube estava com a ideia de usar o Estadual para preparar o time A em alguns jogos, mas a federação limitou o número de inscritos e tivemos que fazer uma escolha. O Petraglia não prestigia o Estadual, então achei melhor dar consistência ao trabalho do Tiago, para ele escolher os jogadores, e eu me viraria com os demais, sem jogo oficial. Jogamos com o Caxias, pela Copa do Brasil, e tínhamos feito apenas 50 minutos contra o Operário de Ponta Grossa. O lado bom é que tive muito tempo para treinar, estabelecer comportamentos no time. A sequência foi boa, tínhamos dez partidas invictas em maio, deu um mês e em dez perdemos oito. Quando começou a jogar em sequência o Brasileiro e a Sul-americana, eu não conhecia tão bem os que jogaram o Estadual. Então o Paulo André, um pilar do time, que ajudava a comandar em campo, se lesionou. Mesmo jogando bem algumas partidas, perdemos. Não soubemos lidar bem com os elogios, nos colocaram num patamar em que não estávamos.

Foi precoce?
Não era um time jogando tão bem como as pessoas estavam falando. Nessa soma saímos perdendo e faltou habilidade para lidar com isso e eu, como líder do processo, tive uma responsabilidade grande. Quando começa a perder, entra num espiral e parecia ter uma nuvem em que tudo dava errado. Achávamos que na parada da Copa poderíamos reverter. Acredito que no treinamento ajudamos aas pessoas, não só o jogador, para dar a ele coragem, senso de jogo coletivo, gerando comportamentos, desenvolvendo a parte tática, organização. Na fase ruim jogava em Curitiba quarta-feira, Recife domingo, depois São Paulo etc.

Diniz, garante que o ano de 2018 foi de aprendizado no Athletico

Aí faltou tempo para aprontar a equipe…
Era muito tempo no avião. Treinei, antes, quando tive tempo, durante o Estadual, uns 16 atletas do grupo total. O Athletico contrata o que pode pagar, então algumas contratações estavam autorizadas e eu cancelei ao chegar para olhar a base e buscar pontualmente no mercado. Mas as contingências não favoreceram. Marcelo Cirino, Welington, Rony, Bruno Nazário e outros chegariam durante a Copa, não vieram a tempo. Isso amadurece. Tenho muita coisa para aprender e aprendo com as críticas. O Athletico me fez amadurcer muito. Assisti muito nossos jogos e os de outras equipes, revi as partidas que fizemos observando tudo o que dava para melhorar. Foi um tempo sem trabalhar em clube para me aprofundar e fazer novas coisas.

Por que no Brasil times que rejeitam a bola são bem sucedidos?
É aritmético, se dos 20 uns 18 ou 19 jogam dessa forma, vai ganhar entre esses quem tem os melhores jogadores. O fluxo de caixa determina muitas vezes quem vai ganhar. Se todo mundo joga de maneira parecida, quase sempre vai dar o time que tem os melhores. Quem tem os melhores jogadores, os que decidem jogos, na frente e atrás, goleiro bom, zagueiros altos e rápidos, atletas na frente velozes e que fazem gols. Sua chance de ganhar as partidas aumenta muito, como a maioria joga de forma parecida, vence quem tem os melhores atletas.

Seu temperamento é, para alguns, um problema que enfrenta. A forma de lidar com os jogadores mudou?
Estou melhorando, não fui mais expulso, defini que tinha que parar com isso, às vezes você cobra de maneira mais agressiva e é preciso tomar cuidado para não expor, mas se for para o bem do time, tem que se expor. Sempre procurando maneiras de melhorar os jogadores. É uma dança que nunca se aprende a dançar perfeitamente. Ajudei muita gente que estava desacreditada, mas vou escutando as pessoas, as coisas inteligentes na imprensa, e vamos melhorando. O Athletico me fez crescer e rever muitas coisas que tento fazer para melhorar. Na essência não mudei nada em relação ao que fazia no Votoraty, onde comecei. Tenho uma preocupação muito grande com o jogador, porque sei que o futebol é uma ilusão. A maioria dos que jogaram comigo está ferrada hoje, com os filhos em escolas de péssima qualidade e vivendo da ajuda do poder público. Tenho medo de que não consigam, não somente jogar bem, como cuidar da própria vida. Então quando vejo o cara rebaixando as próprias chances que tem no futebol e na vida, isso me incomoda. Tenho a vontade de ajudar o jogador, de querer que consiga jogar bem e se tornar uma pessoa melhor. É algo de que não abro mão. Tento modificar a vida dos caras nessa máquina de moer gente que e o futebol. Poucas pessoas suportam a pressão, o problema é mais psico-social do que a metodologia de treino.

Por que?
Quando chega na base, o cara que joga bem é tratado como uma pessoa melhor porque joga bem, quando deveríamos fazer jogar voltado ao coletivo, para ajudar o que não tem tanto talento. Então rapidamente o cara ganha mais, vem a família, amigos, e isso já muda tudo, se estimula mais o individualismo, o egoísmo da pessoa. Imagine para um pai e uma mãe deixar um filho de 14 anos fora, num clube, para ser educado e criado por quem está lá. Deveríamos formar pessoas, não o jogador. Ele precisa aprender matemática, ciência, ética, moral, como se vive em sociedade e na comunidade. Se não virar jogador, entregamos um cara melhor para a sociedade. Se formar melhor a pessoa, ela vai jogar melhor. O coletivo não fere a individualidade, ao contrário.

É um conceito que Pep Guardiola defende…
O Guardiola procura os melhores jogadores, hoje não tem nenhum nota 10, mas é tudo 9, 9 e meio, e os caras jogam coletivamente pra cacete, chegam duas horas antes do treino. Aqui o cara acha ruim. Na minha época muitos chegavam 15 minutos antes.

Como você vê a expectativa em relação ao seu trabalho em cada novo clube?
Vou aprendendo as coisas e essa é a intenção, tenho apenas essa preocupação, não com o que vão falar de mim. Me preocupo com o que acontece internamente. Sabemos que a Taça Guanabara tem um valor diminuído, ela leva apenas a uma semifinal estadual, mas o valor simbólico da vitória no Fla-Flu é grande. E a nossa realidade não pode mudar muito. Uma das coisas que temos de estar sempre atentos e conter a euforia, fizemos uma partida boa, mas foi só isso, temos uma porrada de coisas para melhorar.

Como jogaria seu time se você pudesse montar o elenco, caso estivesse em Palmeiras ou Flamengo, por exemplo?
A diferença de onde comecei e cheguei é muito mais distante do que se eu comandasse um elenco como esses. Temos que fazer o jogador entender que ele pode ser mais do que o dinheiro que ele ganha. Precisamos viver na harmonia coletiva, mas claro que sempre tem adaptação, mas a essência do trabalho é a coletividade, mais importante do que individualidade. Isso vou carregar sempre, não tem jeito.

O que acha de técnicos estrangeiros no Brasil?
Todo mundo bom que chega vejo sempre com bons olhos. Adorei a passagem do Osório, quando falava eu ouvia, ele não dizia as coisas da boca pra fora. Vi dessa forma a passagem dele pelo São Paulo. Sampaoli tem tudo para fazer um grande trabalho no Santos, foi mal na Argentina, mas não se sabe internamente o que aconteceu.

Quais os times que mais o agradam no Brasil, na América do Sul e no mundo?
Os trabalhos do Guardiola eu sempre gosto, ele vai sempre melhorando e se adaptando, na Espanha o Bétis (treinado por Quique Setién), encara os grandes sem abrir mão do jogo. Mas por incrível que pareça, gosto do que Simeone faz com o time dele, não pelo lado tático, mas a questão humana, o que ele consegue fazer com os caras. Não vejo problema em jogar dessa maneira, mas precisa ter uma consistência. No Kloop gosto do jeito que ele vibra com as coisas, e um jogo mais vertical, mas é magnifico na gestão do grupo e nas relações humanas. Gosto de assistir nossos jogos e quem vamos jogar contra, porque há coisas boas, mas precisamos ter senso crítico para saber o que fazer aqui. Jardine fez ótimos trabalhos na base, mas o mundo profissional envolve outras coisas, como foi Sampaoli na Argentina…

Como se preparou para o Fla-Fu?
Tento fazer com que meus times joguem de maneira que consiga se acomodar com que vamos enfrentar. Contra o Flamengo, sabendo que eles poderiam apertar a gente ou esperar, fui preparando de todas as formas para situações diferentes de jogo, não preparo meu time apenas em função do que fez o adversário, até porque ele pode fazer diferente contra a gente em relação a outros jogos, marcando numa linha mais média, apertando mais… Todos que jogam contra nós e provocam dificuldades até agradeço, isso me faz criar mecanismos para reagir diante daquilo.

Você tirou os laterais e colocou jogadores de outras posições no Fla-Flu…
Tínhamos que ganhar e ter mais profundidade com jogadores que fariam mais estragos na defesa do Flamengo, não havia mais o que proteger, então arriscamos e fizemos as mudanças para criar situações de enfrentamento. O Caio Henrique (desarmou Arrascaeta na jogada do gol) entrou para apoiar o Everaldo, que virou um ponta-esquerda tendo que voltar em alguns momentos, então o time correu riscos, mas nem ficou tão mais exposto, mas com maior agressividade. Acho que conseguimos, não por conta do resultado, mas por aumentarmos o volume ofensivo. Isso foi treinado, Calazans entrou antes (também em substituição a Ezequiel) contra o Vasco e já havíamos pensando em usar o Everaldo mais aberto.

Onde pretende chegar como técnico?
Vou tocando o barco. Sou um felizardo, mesmo nos momentos em que perdemos e temos muita pressão, tenho a sensação de que estou na minha praia. Não consigo me ver fazendo outra coisa que não seja ser técnico de futebol, sempre com a ideia de ajudar os jogadores a se desenvolverem taticamente com métodos que o façam ter prazer de jogar futebol. Para quem torce pelo nosso time e quem apenas aprecia o jogo. O futebol tem que emocionar as pessoas, sem emocionar ele não fica tão atraente.

 

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.