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Mauro Cezar Pereira

Perguntas técnicas ainda sem respostas que envolvem o incêndio no CT do Fla

Mauro Cezar Pereira

11/02/2019 12h32

Márcio Jorge Gomes Vicente é Engenheiro de Segurança do Trabalho formado pela Universidade Federal Fluminense, Professor Universitário e Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Engenharia de Segurança. A pedido do blog, ele escreveu o artigo abaixo após o incêndio que matou dez adolescentes que eram jogadores das divisões de base do Flamengo, no Centro de Treinamentos do clube, no Rio de Janeiro.

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Muito se tem comentado sobre o lamentável ocorrido nas instalações das divisões de base do Flamengo que vitimou dez jovens promissores do clube, causando uma consternação geral. O foco tem sido basicamente se o Clube possui ou não alvarás emitidos pela Prefeitura do Rio, certificação do Corpo de Bombeiros e etc, mas outras abordagens, de natureza mais técnica e que podem nos levar a causa raiz deste ocorrido, devem merecer maior avaliação.
Inicialmente é fundamental destacar que este acidente, com ou sem alvará e demais documentos, não ocorreria se medidas preventivas (e até mesmo preditivas) tivessem sido tomadas por parte de todos os envolvidos. Somente uma perícia técnica acurada e totalmente imparcial poderá garantir as respostas quanto à "causa raiz" deste acidente. Vejamos:
1. O Rio de Janeiro passou, durante a semana do acidente, por alterações climáticas com ventos fortes (considerados tornados e não tufões como equivocadamente vem sendo informado) que geraram variações de energia em todo o município, especialmente na região do Recreio e adjacências. Os aparelhos de ar refrigerado possuem termostato, que é um dispositivo de equilíbrio do equipamento, e sua variação poderá gerar, sem dúvida alguma, um curto circuito em todo o sistema, mas somente uma perícia poderá avaliar este cenário. A concessionária se pronunciou negando tais variações de energia, mas não apresentou um relatório técnico da região para sustentar esta constatação.
2. O sistema de contêineres, como os módulos utilizado pelo clube para os referidos alojamentos, é bem comum hoje em dia, não apenas para este fim. Sua utilização vem ganhando espaço pela facilidade de instalação e manutenção. Ocorre que para este objetivo, assemelhado ao uso residencial, são utilizadas placas duplas de aço, com preenchimento de poliuretano em seu interior, incluindo tratamento anticorrosivo e antichamas. Reitero que apenas uma perícia em todo o ambiente poderá nos responder se a empresa fornecedora destes equipamentos promoveu estes recursos nos contêineres. Estas informações serão fundamentais e decisivas quanto ao fator da propagação do incêndio.
3. Até o momento o tema "Norma Regulamentadora", Portaria 3.214 de 08 de junho de 1978, não foi abordado. Este é mais um tema fundamental, ou seja: onde estão os profissionais de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT do Clube para se pronunciarem sobre os programas preventivos, tais como: Análise Preliminar de Riscos (APR), ordens de serviços, planos de abandono, rotas de fuga, treinamentos e simulados específicos? O local estava sinalizado? Pela dimensão dos alojamentos e quantidade de "população flutuante" deveria ser dotado de saídas de emergências sem bloqueio de passagens.
4. Ainda sobre o SESMT, de acordo com a Norma Regulamentadora NR 4, se o clube tiver mais de mil funcionários sobre o regime de CLT, deverá ser constituído de: um engenheiro de segurança do trabalho; um médico do trabalho; um técnico em segurança do trabalho e um auxiliar de enfermagem do trabalho. Caso tenha menos que este quantitativo, deverá ter um técnico em segurança do trabalho. Onde estão estes profissionais e quais suas atividades diárias na empresa? Suas atribuições foram efetivamente cumpridas conforme o item anterior?
5. Outra questão que é "cerne" deste tema, mas que não vem sendo tratada, refere-se à Brigada de Emergência. O clube, por sua área construída e população ativa, deverá ter em todos os turnos uma brigada de plantão. Este brigadistas são responsáveis por verificarem (o tempo todo) possíveis intercorrências e não conformidades de todas as naturezas. Estes são responsáveis por verificarem se os extintores estão em locais apropriados, em cumprimento à Norma Regulamentadora NR 23, que trata de prevenção e combate a incêndios e explosões, além da NR 26, que trata de sinalizações de segurança. Onde estava a brigada no momento do ocorrido? Os simulados de abandono foram realizados corretamente? Sinalizações bem evidenciadas? Precisamos destas explicações e a perícia técnica poderá dar tais respostas.
6. Outro tema tão fundamental quanto aos anteriores refere-se à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA em conformidade com a Norma Regulamentadora NR 5. O Clube tem a CIPA ativa? Foram realizadas reuniões mensais abordando os principais riscos? Como estão suas atas? Após o acidente a CIPA em vigor se reuniu para analisar o evento e solicitar a todos os envolvidos as medidas imediatas (não relacionadas a alvarás e demais documentos e sim as de natureza corretiva)?
Bem, estamos diante de mais um trágico acidente com vítimas fatais, numa semana em que ainda choramos por Brumadinho, e que não tivemos nem tempo de sofer pelas vítimas na Cidade do Rio de Janeiro decorrentes do descaso público, do mesmo município que recebeu alguns atletas amadores do Flamengo no Hospital Lourenço Jorge e que até hoje não apresentou as causas reais do incêndio que vitimou alguns pacientes há alguns meses.
O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, instituição na qual tive a honra de atuar como professor da Escola de Formação de Oficiais, em momento algum considerou que a estrutura dos alojamentos eram inapropriadas, apresentando algumas solicitações de ajustes (inacreditável um processo estar tramitando desde 2010 sem solução final), fato que o clube precisa responder imediatamente, se foram ou não cumpridas.
Da mesma forma, a Light – concessionária de energia para a cidade do Rio de Janeiro, necessita apresentar, tecnicamente, suas análises sobre as variações de energia local, pois, como sabemos, este evento pode ser o real causador de um curto circuito no sistema de ar refrigerado. Por sua vez, a empresa fornecedora dos contêineres necessita apresentar seus certificados de conformidades e segurança, devidamente em dia, e dentro de todas as especificações técnicas pertinentes sobre este tema. E o clube precisa apresentar os documentos comprobatórios referentes aos itens de segurança que acima apresentamos.
Reafirmo que, neste momento, o mais importante será a realização de uma Perícia Técnica o quanto antes, devendo a mesma ser solicitada pelo Ministério Público para garantir a integridade de todos os itens no pós acidente, com vistas a respostas bem objetivas, especialmente: levar para um laboratório amostras do poliuretano dos contêineres para verificar se estavam em conformidade com as especificações de segurança; verificar o estado final da estrutura de aço; avaliar o sistema de fornecimento da concessionária quanto à possibilidade de curto pela possível variação de energia; avaliar as constituições do SESMT, CIPA e Brigada do Clube, dentre outras informações complementares, para responder aos diversos quesitos técnicos, e elucidar tais ocorrência lamentáveis.

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.