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Mauro Cezar Pereira

Cartola rival do São Paulo dirige 2 clubes e vive entre Argentina e México

Mauro Cezar Pereira

06/02/2019 04h00

Andrés Fassi faz gesto característico dos hinchas do Talleres: 122 viagens Argentina-México em dois anos e meio

O São Paulo começará, hoje, às 21h30 de Brasília, a decidir seu futuro na Copa Libertadores da América. Fará sua estreia na primeira fase frente ao Talleres, tradicional clube da cidade de Córdoba (a 700 quilômetros de Buenos Aires, 1,4 milhão de habitantes) que ficou longos anos fora da elite do futebol argentino e há 19 não faz um jogo internacional. Fácil imaginar a relevância do confronto para sua fanática torcida.

O time despencou para a terceira divisão (Federal A), onde ficou entre 2009 e 2013. Subiu para a segundona (B Nacional), lá permaneceu por duas temporadas e retornou à elite ao vencer o campeonato sem perder uma partida sequer, em 2016. Como os são-paulinos, La T possui o título da Copa Conmebol – ganhou a final contra o CSA, em 1999.

Andrés Fassi é o presidente do Talleres há quatro anos e três meses. Com ele, o clube fez a escalada de volta à primeira divisão da Argentina e agora aos torneios internacionais. O dirigente desenvolveu carreira no México, de preparador físico, primeiro do Cobras, de Juárez; e depois no Necaxa. Hoje é um dos donos do Pachuca, campeão da Copa Sul-americana 2006.

É muito próximo de Daniel Angelici, presidente do Boca Juniors. Negócios entre o clube de maior torcida no país e o Talleres são frequentes, como os feitos com a agremiação mexicana. O trabalho duplo do dirigente cordobês entre o rival do São Paulo e o Pachuca viabilizou um intercâmbio que ajudou o clube argentino a subir duas divisões em sequência.

O presidente do vice-campeão da Libertadores é proprietário de uma rede de cassinos e tem enorme influência em Buenos Aires. Os clubes trocam jogadores importantes, com o Talleres recebendo jovens reforços do Boca e enviando bons nomes, casos de Cristian Pavón, que disputou a Copa do Mundo, e Lucas Olaza, titular xeneize em 2018. Reynoso, Maroni, Pochettino, Komar são alguns dos outros que passaram por esse fluxo frequente.

Angelici é a mão direita do Presidente da República, Mauricio Macri. Todas essas negociações sempre circulam entre os mesmos homens poderosos. Fassi é ferrenho defensor da privatização dos clubes, para que tenham proprietários, como no México, algo defendido pelo próprio mandatário da nação, que há algum tempo tenta atraí-lo para a política.

"Na Argentina, o futebol está intimamente ligado à política nacional. Algum tempo atrás, um especialista veio da Inglaterra para resolver o problema da violência, devido à sua experiência com os hooligans. No entanto, retornou ao seu país dizendo que aqui não há solução, já que as barras bravas estão muito ligadas ao governo", destaca o jornalista Cristian Del Carril.

Daniel Angelici (à esquerda) e Fassi: parceria

Fassi voltou à Argentina em novembro de 2014 para recuperar seu clube de coração. Vem dando certo, sem dúvida. Na conquista da Sul-americana, em 2006, o Pachuca venceu o Colo-Colo (2 a 1) em pleno Estádio Nacional, em Santiago. Da mesma maneira ele espera calar o Morumbi no dia 13. Mas antes, receberá o São Paulo no estádio Mario Kempes. O presidente do Talleres e acionista do clube mexicano conversou com o blog.

Como estão vendo o reencontro do Talleres com a Libertadores enfrentando, de cara, um time como o São Paulo?

Andrés Fassi – É difícil quando se enfrenta equipes poderosas como o São Paulo, mas a organização e a gestão nos permitiu crescer e chegar até aqui. É uma honra para o Talleres jogar essa eliminatória. Há muito pouco tempo estávamos na terceira divisão e tivemos a possibilidade de subir para a B Nacional e voltar à primeira divisão. E hoje estamos disputando a repescagem para jogar uma Copa Internacional, isso nos dá muita alegria.

São quase duas décadas sem disputar jogos internacionais. Como o clube encara esse retorno?

Fassi – Sim, depois de 19 anos poderemos jogar uma partida internacional, nada mais, nada menos contra uma das melhores equipes da América do Sul, como o São Paulo, isso é motivo de orgulho para o Talleres. Sabemos que será uma partida muito difícil, pela qualidade de uma das melhores equipes do Brasil, com melhor orçamento, jogadores e história.

Para o primeiro jogo, em casa, como se programaram?

Fassi – Buscamos reforços e contratamos, mas não gastamos mais do que podemos. O Talleres é um clube organizado e estruturado, isso faz parte de uma gestão administrativa que levou quatro anos para ser implementada.

Como o Talleres, com receitas menores do que os times de Buenos Aires, saiu da terceira divisão para a Libertadores?

Fassi – O clube funciona de acordo com suas possibilidades. Todos queremos ter os melhores jogadores e a melhor equipe, mas é preciso coerência na gestão, com suas possibilidades de gastos, ou fica impossível administrar.

O elenco tem sido competitivo, mesmo sem tantos recursos financeiros…

Fassi – Sim, temos um orçamento mais limitado, mas somos bem organizados e temos um plantel de muitos jovens, com atletas experientes como Guiñazú (40 anos), Gandolfi (38) e Caranta (40), e dos demais muitos são jovens. Isso nos permite fazer a gestão dentro das possibilidades.

 

E as divisões de base?

Fassi – Hoje 48% do nosso orçamento destinamos para a estrutura e divisões de base, para que em quatro a cinco anos o Talleres se transforme em referência revelação de jogadores.

Mas como ela vem sendo trabalhada?

Fassi – Temos um projeto muito forte de divisões inferiores e infraestrutura. Vai ser lançado o programa "Mundo Talleres" e temos trabalhado a parte social. Já abrimos 170 escolas de futebol e até dezembro queremos chegar a 300, com mais de 45 mil meninos jogando, com uma representação social muito forte na província de Córdoba. Planejamos também um projeto social em todo o país, de norte a sul, de Jujuy a Tierra del Fuego, um torneio infantil e colegial com garotos de 4 a 15 anos, serão mais de 150 mil.

Qual a estratégia para enfrentar o São Paulo?

Fassi – Vivemos um momento de transição, tratando de ganhar mais confiança e tomando decisões. Estrutura sólida e parte esportiva têm muito a ver com a estrutura econômica. O nosso corpo técnico tem seis meses de trabalho apenas (Juan Pablo Vojvoda assumiu o comando do time no ano passado). O anterior (Frank Darío Kudelka foi para a Universidad de Chile no ano passado) ficou três anos e meio. Então esse período de transição tem que ser superado pouco a pouco. Temos mais jogadores surgidos em nossas divisões de base e estamos buscando a sustentabilidade. Vivemos um bom momento.

O que sabe a respeito do São Paulo?

Fassi – Sabemos que o rival se armou bem e se fortaleceu com jogadores importantes. Mas o Talleres está acostumado a batalhar com os recursos que tem e nosso treinador vem dando confiança aos jovens. É o rival mais difícil que poderíamos enfrentar nesta fase, contudo chegamos em bom momento anímico e com o sonho de fazer uma grande série nesse duelo em ida e volta.

Fassi, em comemoração de título do Pachuca: à frente de dois clubes em dois países

O senhor já estava na diretoria do Pachuca quando o time ganhou a Sul-americana em 2006. Como é a gestão do clube mexicano?

Fassi – Sim, Pachuca é a única equipe mexicana a ganhar um título internacional em confederação que não a sua, único mexicano a ganhar torneio da Conmebol e está acostumado a uma política de gestão, trabalho, austeridade, infraestrutura e revelação de jogadores. Um time que há 25 anos vem trabalhando para crescer. São seis torneios locais ganhos nesses anos (1999, 2001, 2003, 2006, 2007 e 2016) esteve em mundiais de clubes (ergueu a Liga dos Campeões da Concacaf em 2002, 2007, 2008, 2009/2010 2016/2017), ou seja, é resultado de um trabalho de reformulação com decisões desportivas e de gestão que vem buscando a sustentabilidade.

 

Como comanda dois clubes ao mesmo tempo?

Fassi – Nos últimos dois anos e meio fiz 122 viagens entre Córdoba e México. Assim tem sido minha vida. É difícil, pela envergadura dos dois clubes, anos de muito desgaste pessoal. Acabo de chegar há dois dias do México. Mas temos uma comissão diretiva comprometida para trabalhar o tempo todo.

Como é o relacionamento com o Boca Juniors e o Presidente Angelici? Há muitas negociações entre os clubes, além daquelas feitas com o Pachuca. Como isso funciona?
Fassi – Fizemos muitas coisas, com ótimos resultados para o Boca e Talleres em todos os aspectos. Sabíamos como dar oportunidade a jovens jogadores que tiveram um ótimo nível no Talleres e vendemos ao Boca. Grandes jogadores como Reynoso, Olaza e, antes, de Pavón. A relação é ideal, já que as duas instituições ganham.

O que acha das críticas feitas ao senhor pelo fato de atuar em dois clubes ao mesmo tempo, mesmo em países diferentes, e também à proximidade com o Boca Juniors e Daniel Angelici, muito ligado a Macri, o que envolveria até um compromisso político?
Fassi – Trabalho em dois clubes porque deixo a alma naquilo que faço, e têm sido projetos de sucesso, no México e na Argentina, bem sucedidos e com valores morais em projetos. Depois de 37 anos no futebol, posso assumir esse compromisso e minha abordagem com o Boca tem sido esportiva. Não me dedico à política e há 37 anos atrás estou no futebol

Como encara tais críticas e questionamentos?
Fassi – Não dependo de questionamentos para avançar na minha vida, dependo da minha visão, do meu esforço e dos meus valores, e respeito que possam pensar diferente. Não sou mais quando me elogiam, nem menos quando me criticam, tenho paixão pelo futebol e dedico a vida a ele.

Como o Talleres se comportará no jogo desta quarta-feira?

Fassi – Teremos nosso jogador número 12, com 50 mil pessoas nos apoiando. Com os hinchas e muita gana, podemos sonhar em superar o São Paulo.

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Sobre o autor

Mauro Cezar Pereira nasceu em Niterói (RJ) e é jornalista desde 1983, com passagens por vários veículos, como as Rádios Tupi e Sistema Globo. Escreveu em diários como O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil e Valor Econômico; além de Placar e Forbes, entre outras revistas. Na internet, foi editor da TV Terra (portal Terra), Portal AJato e do site do programa Auto Esporte, da TV Globo. Trabalhou nas áreas de economia e automóveis, entre outras, mas foi ao segmento de esportes que dedicou a maior parte da carreira. Lecionou em faculdades de Jornalismo e Rádio e TV. Colunista de O Estado de S. Paulo e da Gazeta do Povo, desde 2004 é comentarista dos canais ESPN e da Rádio Bandeirantes de São Paulo.

Sobre o blog

Trazer comentários sobre futebol e informações, eventualmente em primeira mão, são os objetivos do blog. O jornalista pode "estar" comentarista, mas jamais deixará de ser repórter.